Vês, do outro lado da rua,
aquele velhinho, a mexer a boca
e as mãos?
Aquele velho, com talvez 75 ou 80
anos nas costas,
vive assim desde os 35, talvez 40 anos.
Aquilo que sai de sua boca são palavras
de um mais antigo poeta,
tão antigo que pouco se ouve falar,
mas cujas palavras
são ecoadas por aquele
semi-analfabeto...
mal entende o que diz,
mas sabe que é bonito.
Palavras de centenas de séculos atrás,
mas palavras que se recriam,
pintam-se para as novas gerações.
Palavras que não são estáticas,
embora possuam a mesma forma,
mesma grafia.
Vês aquele velho?
O guardião dos antigos testamentos,
dos antigos legados.
Vês as pessoas em volta dele?
O evitam.
Têm medo do passado,
por que desse passado
vêm, temerosos,
o seu futuro.
Vês aquele velho?
Não cansa de citar e proferir.
Profetizar palavras antigas.
Profecias que se reciclam.
Trovões se calam
e relâmpagos se escurecem,
mas deixam permanecer
esses dizeres,
que ninguém, nem mesmo o velho,
sabe de onde vêm.
Talvez te lembres daquele velho.
Sabes?
Ele morreu. Aqui estão suas velhas
palavras.
Pausadas, no tom correto,
afinadas, embora nada musicais.
Palavras que eu, letrado,
mal compreendo, mas ainda vejo
aquela beleza resguardada por todos
séculos.
As pessoas ali não sabem,
naquele lugar, onde passam,
as palavras do futuro e do passado
viveram, radiaram,
mas ninguém as queria.
Ninguém foi ao enterro do velho,
solitário.
Aquele velho que continua,
nessas palavras que te digo,
vivo.
Essas mesmas e pausadas
palavras,
ao vento,
lento, lentas,
caminham, seguem,
durante os séculos,
com a pressa de quem
espera o mar todo evaporar
ou as lágrimas o mundo inundar.
Pois um dia serei velho,
e espero que algum
futuro velho
venha me escutar,
trazer a voz de milênios
para não acabarem no vazio
as palavras que regem o mundo.
A última poesia?
é sempre cantada, contada
e entoada.
Todas as palavras são uma poesia,
apenas.
Juntas, dizem muito mais do que algo.
Dizem tudo, tudo que se quer dizer.
Lembram-se do velho.
Lembras dele?
Vive com cada letra que anunciou sua morte
de forma tão poética
que os anjos preferiram transformá-lo
numa sublime poesia,
que diz tudo com as sutilezas
da ausência das palavras.
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
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