sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A última poesia

Vês, do outro lado da rua,
aquele velhinho, a mexer a boca
e as mãos?

Aquele velho, com talvez 75 ou 80
anos nas costas,
vive assim desde os 35, talvez 40 anos.

Aquilo que sai de sua boca são palavras
de um mais antigo poeta,
tão antigo que pouco se ouve falar,
mas cujas palavras
são ecoadas por aquele
semi-analfabeto...
mal entende o que diz,
mas sabe que é bonito.

Palavras de centenas de séculos atrás,
mas palavras que se recriam,
pintam-se para as novas gerações.
Palavras que não são estáticas,
embora possuam a mesma forma,
mesma grafia.

Vês aquele velho?
O guardião dos antigos testamentos,
dos antigos legados.
Vês as pessoas em volta dele?
O evitam.
Têm medo do passado,
por que desse passado
vêm, temerosos,
o seu futuro.

Vês aquele velho?
Não cansa de citar e proferir.
Profetizar palavras antigas.
Profecias que se reciclam.
Trovões se calam
e relâmpagos se escurecem,
mas deixam permanecer
esses dizeres,
que ninguém, nem mesmo o velho,
sabe de onde vêm.

Talvez te lembres daquele velho.
Sabes?
Ele morreu. Aqui estão suas velhas
palavras.
Pausadas, no tom correto,
afinadas, embora nada musicais.

Palavras que eu, letrado,
mal compreendo, mas ainda vejo
aquela beleza resguardada por todos
séculos.

As pessoas ali não sabem,
naquele lugar, onde passam,
as palavras do futuro e do passado
viveram, radiaram,
mas ninguém as queria.
Ninguém foi ao enterro do velho,
solitário.

Aquele velho que continua,
nessas palavras que te digo,
vivo.
Essas mesmas e pausadas
palavras,
ao vento,
lento, lentas,
caminham, seguem,
durante os séculos,
com a pressa de quem
espera o mar todo evaporar
ou as lágrimas o mundo inundar.

Pois um dia serei velho,
e espero que algum
futuro velho
venha me escutar,
trazer a voz de milênios
para não acabarem no vazio
as palavras que regem o mundo.

A última poesia?
é sempre cantada, contada
e entoada.
Todas as palavras são uma poesia,
apenas.
Juntas, dizem muito mais do que algo.
Dizem tudo, tudo que se quer dizer.
Lembram-se do velho.
Lembras dele?
Vive com cada letra que anunciou sua morte
de forma tão poética
que os anjos preferiram transformá-lo
numa sublime poesia,
que diz tudo com as sutilezas
da ausência das palavras.

Solidão

Todas as pessoas solitárias
que vão pelos seus caminhos,
tão solitários também.

Bicicletas, carros,
velozes perante
a velocidade da solidão,
vão lentas para o som
de suas buzinas a incomodar
os sozinhos.

Há pela rua tantos ímpares,
dos dois lados da rua,
indo, ora também indo,
num vínculo aleatório
e desbalanceado pela solidão.

Por que os sós não se buscam.
Se fecham e toda aquela nuvem
é só a carapuça, a bolha.
É dali que vem toda essa solidão
que inibe, envergonha, nos encolhe.

Os sós são só sós, embora
muitos não o queiram ser.
É que estar só é não ter companhia,
e não é tão óbvio quanto parece.

Quantas vezes estamos
frente a frente com alguém,
e ficamos sós, cada um distante,
transparente e completamente,
juntos, perdidos?

Estar só é não ouvir declarações,
de ódio ou de amor.
Principalmente de amor,
pois estar só é não amar.

Estar só a dois, e sós,
pode ser amor, pode ser cumplicidade.
Pode não ser nada, mas é sem graça!
Amar é não estar solitário,
é apreciar a ausência de pessoas,
sem, em hipótese alguma,
estar só.

Por que solidão é o contrário de amar.
Tenhamos piedade da alma
dessas almas perdidas,
partidas, andando, vagamente
vagando por aí,
errantes, e errando sem aprender,
que insistem em ser só,
sem conhecer o amor.

Por que solidão é o complemento negativo do amor.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Meus últimos dias (não é o fim)


Ultimamente andei um tanto preocupado com o tempo. Pensei muito no tempo e refleti muito, mas, óbviamente, não cheguei a nenhuma conclusão. Caí muito em contradição por não entender meus próprios argumentos e por ser uma eterna contradição. Quantas coisas escrevi que já nem concordo mais. E, se concordasse, seria por imaturidade.
Andei preocupado com o tempo por não tê-lo. Só nos preocupamos com o que temos escassamente. Nos preocupamos com nossa vida, nossos entes e amigos, nosso dinheiro, o nosso amor, nossos batimentos cardíacos. A cada um, é um a menos que temos, e queremos aproveitar todos. Acho que foi assim. Meu tempo se acabou. Não que chegou a hora da morte, não sei. Espero que esteja longe, embora nada possa eu prever. É que tenho estado demasiadamente ocupado e minha cabeça não acompanhava minhas pernas, sempre a correr. A temperatura do meu sangue, que fluía velozmente, subia, subia e subia, sem que eu tivesse controle sobre isso. Veio o estresse, a cafeína foi-se. Abandonei-a à sua própria sorte, e que não volte ela ao meu corpo. Vieram as provas a me avaliarem o estado mental. O estado mental de quem apenas aprende a correr, mas que não digere. Não informa, não aglutina informações ou conhecimento. Apenas números, letras e integrais.
Claro, não pude me conter sozinho, não fui minha própria cura. Ainda estou sem tempo, mas ele não me preocupa, pois haverá de ser compensado. Minha situação é longe de ser das piores. Mas só pensei isso quando, após sair desse ciclo de correrias, minhas pernas pararam. E observei as belas nuvens do crepúsculo, que variam os tons entre um branco tendendo ao amarelado e um tom meio fúscia, meio violeta. Lembrei que era do meu feitio observar e me acalmar. Mas quem me salvou, já disse, não fui eu, apenas. Liguei, conversei e amei, ainda que à distância. Foi tudo que eu precisava. Amigos que eu cruelmente afastei. Um amor que só me traz alegrias. Uma mãe, que só me quer por perto, e eu sempre me afasto, muitas vezes mais pela sorte do destino do que minha própria vontade de seguir sozinho, ou de seguir um caminho meu, novo. Uma família, também, que subestimo o amor que podem nutrir.
Assim me vou, andando para frente, seguindo esse velho caminho que julgo eu novo, embora, no meu íntimo eu saiba que já foi tantas vezes traçado, desviado pouco em percurso e chegando sempre ao mesmo lugar. Nas preocupações, e na maior delas, inclusive: como se livrar das preocupações. Vou planejando como viver uma vida em que eu seja dependente, na maior parte do meu tempo livre, apenas dos meus gostos. E deixo de lado meus gostos para seguir esse planejamento, que sempre se distorce pelo caminho.
Aos meus amigos, família, meus desejos pessoais e meu amor, só peço que me desculpem e um pouco de paciência, embora não seja justo pedir-lhes justamente algo que, de tão escasso, nos preocupa por demais: paciência. Um dia, talvez, se sentirão como eu. Eu poderei ser incompreensivo, mas me arrependerei disso, e pedirei perdão novamente. Espero que perdão nunca seja algo escasso, ou será apenas mais uma preocupação para mim.
Fazer o quê! Paciência!