domingo, 15 de fevereiro de 2009

Segundo segundo

E aquele segundo se passou deixando um acontecimento de tal modo grandioso que até mesmo o segundo pretendente a presente se recusou a entrar. Foi o espaço de três segundos até que algum segundo criasse coragem para ocupar aquele vácuo. E foi nesses três segundos que nada se moveu, a gravidade violava uma lei básica e se contrariava, ficou na dúvida se puxava para cima ou para baixo, e acabou deixando parado no ar o gato que caía da árvore. Não deu tempo de se abrir as bocas, e foi enquanto tudo estava parado que a informação lhes chegava da retina aos respectivos cérebros. E nesses três segundos, processaram tanta informação quanto toda uma geração. Todo o filme da vida passou pelo menos cinco vezes para cada um; toda conta de matemática por resolver teve sua resposta dada com precisão de oito casas decimais; toda a lógica humana foi compreendida, sabendo-se, inclusive, o que Freud admitiu jamais explicar: do que as mulheres gostam.
Contudo, foi tanta informação sem tempo de processar (aquele maldito segundo se recusava a fazer o tempo marchar) que tudo perdeu-se. Ficava sempre aquele pulga atrás da orelha, todos sentiam que tiveram alguma coisa, e que era algo grande, bem grande. Mas jamais poderiam dizer o que era. Justo no momento que o cérebro ia guardar para sempre todas aquelas respostas mais comprometedoras, os corações voltaram a bater, as gotas na pia retomaram o seu pingar rotineiro e o gato espatifou-se no chão. Obviamente, foi uma brincadeira de muito mal gosto por parte daquele segundo travesso, que, no fundo, só quis ver o circo pegar fogo.
É claro, passado esse segundo um tanto inconveniente, seus superiores, os minutos e as horas, puniram-no, subjugando-o a demorar-se toda vez que tivesse de entrar. E só entraria nas horas mais tediosas, de modo a não poder se divertir. Desde então, fez-se o tédio durar, no espaço de um segundo, o que faz parecer horas, dias.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Revolução dos Bichos Revisada

Um homem que vive só de suas memórias
é um homem sem rosto,
sem vista e sem cor.
Um homem que não tem memórias,
também é um homem sem rosto,
sem vista e sem cor.

O que vive um homem
é o que sua memória guarda,
o que seu pensamento constrói,
é o que passa de sua memória,
é o que cantam suas virtudes
em virtuosas notas.

Pois o silêncio
é a escuridão da voz,
é a cegueira da boca,
a surdez das cordas.

Um homem não tem,
assim, uma definição.
Um homem, acredita-se,
acredita.
Duvida, porém.

Dúvida é a certeza do incerto,
a incerteza afirmativa,
a translucidez precisa.

Um homem escapa aos pensamentos,
às palavras que o definem,
e um homem grande ou pequeno
quem o faz são outros.
E também ele mesmo.

Um homem não precisa ser homem.
Há muita mulher
mais merecedora do título
de homem que
muito homem que se diz homem.

Um homem sempre caminha
nessa exata linha
que divide os opostos,
onde as intersecções não se definem.

Um homem.
Nem sempre se pode explicar tudo.
Nem o que é homem.
Mas todo mundo sabe,
só de um olhar,
quem é homem, quem é cachorro
e quem é porco.