segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Andei por estes caminhos
de pura rocha derretida
e lava,
num mundo surreal,
onde a realidade
acontece nos únicos
10 minutos
em que o sol se traveste de lua!

Vi palavras que envolvem
pescoços das mais lindas
damas de argila,
banhadas nas florestas
de rios e lagos,
onde qualquer ilusão
não passa da mais pura realidade.

Sei que isto são sonhos
não de um mundo perfeito,
nem de um mundo ideal.
Mas sonhos do mundo real,
o mundo que sonho habitar.

Os mais estranhos animais,
praticando os mais estranhos rituais,
celebrando chuva e fogo,
neve, vento, brisa, plantas,
lagos, rios, o sal dos mares,
com suas marés tão mais azedas,
cobertas de fitoplanctons.

Tudo num perfeito acasalamento,
numa sintonia,
um rito ao mesmo tempo
sexual e não sexual,
contrastando com a perfeita
perfídia da alta sociedade
burrocrática e apática,
a fineza do silêncio,
a crueza da tristeza
e da escuridão da quietude
dos dedos empinados
de todas as alcoviteiras endinheiradas,
tão antinatural.

Viro animal, agradeço, suplico.
Vivo essa vida simples de acasalar,
de amar,
de gozar tantas tão simples coisas...
indo além de toda casta,
toda casa, toda morada,
sobrevoando pastos de pessoas
que alimentam sonhos ruminantes,
indo além de todo chiqueiro
repleto de jovens, velhos,
que pisam no chão
sem firmeza de suas próprias
merdas, tão calculadamente
feitas e pisadas.

E lá se vai todo esse primordial sentimento:
a raiva.
Vai, e vai para bem longe.
Essa gota de chuva me cai no nariz,
tão fria e tão limpa,
me faz sentir bem.
Ainda bem que já passou
já passou,
passou,
foi.

Poluição sonora

É quando tudo se cala,
tudo escurece,
tudo perece
que tu cantas.

Cantas para ver acender
naquela janela,
bem ali em frente,
uma luz carregada de
palavras urradas,
trovões loucos
e vozes roucas,
cheia de maldizeres,
rajadas e cortantes,
empurra para longe o silêncio
e vêem mais luzes,
tal qual vagalumes ordenados,
programados para iluminarem-se.

Esta cidade dorme,
e os sonhos nem sempre
são bons.
A lua compete com luzes dos postes,
insones.

As estrelas, esmaecem-se.
Viram nada, perecem na escuridão.
Há automóveis, longes.
Quando em vez, chegam perto
com a mesma rajada
a invadir nossos aposentos.

Esse teu canto, incompetente,
não acorda nada, nem ninguém.
Estão acordados, todos!
Estão a trabalhar,
a beber mágoas e alegrias
e a fazer amor.

Tudo, em silêncio,
essa é a regra.
Acordados em silêncio,
para não incomodar
esse silêncio!

E como acalma, como é bom.
Se cantares novamente,
palavras voltarão contra ti,
enraivadas e ecoadas.
Não grita! Me doem os ouvidos...
Vamos, temos uma noite a viver,
em silêncio, que amanhã
vem o sol com todo seu barulho.
Amanhã trabalham todos os ouvidos.

De manhã temos todos que gritar
para despertar uma cidade
já acordada.
Mas é a hora de quebrar o silêncio,
pois a luz já veio!

Aí acaba o amor,
a tranquilidade.
E assim, cada dia,
são dois:
o dia do barulho,
e o dia do silêncio!

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A última poesia

Vês, do outro lado da rua,
aquele velhinho, a mexer a boca
e as mãos?

Aquele velho, com talvez 75 ou 80
anos nas costas,
vive assim desde os 35, talvez 40 anos.

Aquilo que sai de sua boca são palavras
de um mais antigo poeta,
tão antigo que pouco se ouve falar,
mas cujas palavras
são ecoadas por aquele
semi-analfabeto...
mal entende o que diz,
mas sabe que é bonito.

Palavras de centenas de séculos atrás,
mas palavras que se recriam,
pintam-se para as novas gerações.
Palavras que não são estáticas,
embora possuam a mesma forma,
mesma grafia.

Vês aquele velho?
O guardião dos antigos testamentos,
dos antigos legados.
Vês as pessoas em volta dele?
O evitam.
Têm medo do passado,
por que desse passado
vêm, temerosos,
o seu futuro.

Vês aquele velho?
Não cansa de citar e proferir.
Profetizar palavras antigas.
Profecias que se reciclam.
Trovões se calam
e relâmpagos se escurecem,
mas deixam permanecer
esses dizeres,
que ninguém, nem mesmo o velho,
sabe de onde vêm.

Talvez te lembres daquele velho.
Sabes?
Ele morreu. Aqui estão suas velhas
palavras.
Pausadas, no tom correto,
afinadas, embora nada musicais.

Palavras que eu, letrado,
mal compreendo, mas ainda vejo
aquela beleza resguardada por todos
séculos.

As pessoas ali não sabem,
naquele lugar, onde passam,
as palavras do futuro e do passado
viveram, radiaram,
mas ninguém as queria.
Ninguém foi ao enterro do velho,
solitário.

Aquele velho que continua,
nessas palavras que te digo,
vivo.
Essas mesmas e pausadas
palavras,
ao vento,
lento, lentas,
caminham, seguem,
durante os séculos,
com a pressa de quem
espera o mar todo evaporar
ou as lágrimas o mundo inundar.

Pois um dia serei velho,
e espero que algum
futuro velho
venha me escutar,
trazer a voz de milênios
para não acabarem no vazio
as palavras que regem o mundo.

A última poesia?
é sempre cantada, contada
e entoada.
Todas as palavras são uma poesia,
apenas.
Juntas, dizem muito mais do que algo.
Dizem tudo, tudo que se quer dizer.
Lembram-se do velho.
Lembras dele?
Vive com cada letra que anunciou sua morte
de forma tão poética
que os anjos preferiram transformá-lo
numa sublime poesia,
que diz tudo com as sutilezas
da ausência das palavras.

Solidão

Todas as pessoas solitárias
que vão pelos seus caminhos,
tão solitários também.

Bicicletas, carros,
velozes perante
a velocidade da solidão,
vão lentas para o som
de suas buzinas a incomodar
os sozinhos.

Há pela rua tantos ímpares,
dos dois lados da rua,
indo, ora também indo,
num vínculo aleatório
e desbalanceado pela solidão.

Por que os sós não se buscam.
Se fecham e toda aquela nuvem
é só a carapuça, a bolha.
É dali que vem toda essa solidão
que inibe, envergonha, nos encolhe.

Os sós são só sós, embora
muitos não o queiram ser.
É que estar só é não ter companhia,
e não é tão óbvio quanto parece.

Quantas vezes estamos
frente a frente com alguém,
e ficamos sós, cada um distante,
transparente e completamente,
juntos, perdidos?

Estar só é não ouvir declarações,
de ódio ou de amor.
Principalmente de amor,
pois estar só é não amar.

Estar só a dois, e sós,
pode ser amor, pode ser cumplicidade.
Pode não ser nada, mas é sem graça!
Amar é não estar solitário,
é apreciar a ausência de pessoas,
sem, em hipótese alguma,
estar só.

Por que solidão é o contrário de amar.
Tenhamos piedade da alma
dessas almas perdidas,
partidas, andando, vagamente
vagando por aí,
errantes, e errando sem aprender,
que insistem em ser só,
sem conhecer o amor.

Por que solidão é o complemento negativo do amor.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Meus últimos dias (não é o fim)


Ultimamente andei um tanto preocupado com o tempo. Pensei muito no tempo e refleti muito, mas, óbviamente, não cheguei a nenhuma conclusão. Caí muito em contradição por não entender meus próprios argumentos e por ser uma eterna contradição. Quantas coisas escrevi que já nem concordo mais. E, se concordasse, seria por imaturidade.
Andei preocupado com o tempo por não tê-lo. Só nos preocupamos com o que temos escassamente. Nos preocupamos com nossa vida, nossos entes e amigos, nosso dinheiro, o nosso amor, nossos batimentos cardíacos. A cada um, é um a menos que temos, e queremos aproveitar todos. Acho que foi assim. Meu tempo se acabou. Não que chegou a hora da morte, não sei. Espero que esteja longe, embora nada possa eu prever. É que tenho estado demasiadamente ocupado e minha cabeça não acompanhava minhas pernas, sempre a correr. A temperatura do meu sangue, que fluía velozmente, subia, subia e subia, sem que eu tivesse controle sobre isso. Veio o estresse, a cafeína foi-se. Abandonei-a à sua própria sorte, e que não volte ela ao meu corpo. Vieram as provas a me avaliarem o estado mental. O estado mental de quem apenas aprende a correr, mas que não digere. Não informa, não aglutina informações ou conhecimento. Apenas números, letras e integrais.
Claro, não pude me conter sozinho, não fui minha própria cura. Ainda estou sem tempo, mas ele não me preocupa, pois haverá de ser compensado. Minha situação é longe de ser das piores. Mas só pensei isso quando, após sair desse ciclo de correrias, minhas pernas pararam. E observei as belas nuvens do crepúsculo, que variam os tons entre um branco tendendo ao amarelado e um tom meio fúscia, meio violeta. Lembrei que era do meu feitio observar e me acalmar. Mas quem me salvou, já disse, não fui eu, apenas. Liguei, conversei e amei, ainda que à distância. Foi tudo que eu precisava. Amigos que eu cruelmente afastei. Um amor que só me traz alegrias. Uma mãe, que só me quer por perto, e eu sempre me afasto, muitas vezes mais pela sorte do destino do que minha própria vontade de seguir sozinho, ou de seguir um caminho meu, novo. Uma família, também, que subestimo o amor que podem nutrir.
Assim me vou, andando para frente, seguindo esse velho caminho que julgo eu novo, embora, no meu íntimo eu saiba que já foi tantas vezes traçado, desviado pouco em percurso e chegando sempre ao mesmo lugar. Nas preocupações, e na maior delas, inclusive: como se livrar das preocupações. Vou planejando como viver uma vida em que eu seja dependente, na maior parte do meu tempo livre, apenas dos meus gostos. E deixo de lado meus gostos para seguir esse planejamento, que sempre se distorce pelo caminho.
Aos meus amigos, família, meus desejos pessoais e meu amor, só peço que me desculpem e um pouco de paciência, embora não seja justo pedir-lhes justamente algo que, de tão escasso, nos preocupa por demais: paciência. Um dia, talvez, se sentirão como eu. Eu poderei ser incompreensivo, mas me arrependerei disso, e pedirei perdão novamente. Espero que perdão nunca seja algo escasso, ou será apenas mais uma preocupação para mim.
Fazer o quê! Paciência!

domingo, 28 de setembro de 2008

Como eu te quero

Quero-te sempre carinhosa,
sempre apaixonada,
quero que minhas palavras,
por mais banais e clichês que sejam,
te ganhem sempre
o coração.

Quero-te de todos os jeitos,
de todas as formas,
com todo o bem-querer,
com todas as brigas,
com todas histórias
que ainda haveremos
de contar e rir.

Quero-te todos os dias,
num futuro próximo
e também num futuro distante,
Quero-te só minha,
doce, suave,
apaixonada.

Quero-te pelos teus segredos,
pelos meus segredos
e pelos nossos também,
e, te garanto:
ninguém haverá de sabê-los.

Quero-te com todas as sutilezas,
com todos os sentimentos,
e também um pouco de raiva,
mas bem pouco,
só para que te lembres
como devemos ser carinhosos,
como devemos nutrir juntos um amor.

Quero-te com todo o tempo
que haverá de nos cansar,
nos enrugar as peles,
mas ainda terás minha pele
e o que há dentro dela,
e também minh'alma.

Quero-te vertigem
e quero-te nítida,
sempre nos meus olhos tão cansados,
quero ver-te mesmo de olhos fechados,
na lembrança ou na ocasião de
beijar-te.

Quero-te me querendo,
precisando e cuidando de mim,
e precisando de cuidados,
também.

Quero-te frágil,
chorosa, e que toda fraqueza
sempre te traga para perto de mim.
Serei sempre sua fortaleza,
embora sua fraqueza
diretamente também me abalará.

Quero-te forte, quero-te cajado.
Quero que sejas a mulher forte
por trás deste homem tão imperfeito,
tão descuidado, mas que
pagaria com tudo que tem
pelo teu amor,
embora tudo meu seja tão pouco.

Quero-te imperfeita,
para que eu possa admirar
também os teus defeitos,
tentar corrigir os que merecem,
e fazer-te crescer,
e contigo, crescer,
conhecer-te e usar
esse conhecimento apenas para ti.

Quero-te, para sempre,
minha.
Quero-te.
É como eu te quero.
Querendo, até quando
tu me quiseres.
Querendo, precisando,
pensando, lembrando.
É como te quero.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Relógio

Enquanto vamos vivendo
a base de toda essa miséria
que nos foi dada de tempo,
em que tudo é contado
de trás para frente,
há um tempo paralelo.

Esse tempo anda para frente,
não é reversível,
não tem contagem regressiva.
É infinito, mas cada segundo
é crucial, não deveria ser perdido.

Temos nosso próprio tempo,
que nos livramos tal qual
boletos, papéis, poemas e fotos.
E, subitamente, nos arrependemos.

Será que precisamos
ser sempre acesos?
Atentos?

Subitamente, preciso me acalmar.
Onde está meu tempo?
Aquele tempo, parado.
Aqueles tempos onde me encontro,
onde penso, porém,
sem filosofia alguma.

Filosofia é coisa complexa.
Preciso de futilidades,
beber, sair, não pensar.
Passar uma tarde inteira
só vendo vistas,
coisas,
paisagens,
tetos,
imagens.
Vendo.

Escutando música à toa,
extravasar, aliviar.
Fluir, sair, olhar, ver.
Livre, enquanto o tempo é meu

E logo, prenderão esse meu tempo,
me lembrarão que sou mais um,
compartilho um tempo com todos,
devo um tempo a eles,
responsabilidades, infartos,
fumos, fumaça, cigarro,
anti-cronômetros.

E ali estou eu, olhando o relógio
que marca o meu compasso,
que indica, a cada segundo,
que ele não é meu;
pertence às horas.
Que não são minhas.

Que me roubam.
Me levam onde tenho que estar,
mas não quero estar.
E vou, seguindo este círculo
de dúzias repetitivo,
que traz a cada novo dia
as novidades do dia anterior,
para sermos cada vez mais
afastados de nós mesmos!

domingo, 21 de setembro de 2008

Frase solta

Sei que ainda vou me arrepender de dizer isso, mas...

"Ainda bem que o tempo passa".

Cruéis passa-tempos

E continuam a culpar o tempo.
"Ah, o tempo não perdoa,
o tempo isso, o tempo aquilo".
O tempo passa, esse é o seu papel.

Ele há de cumpri-lo sempre,
há de se fazer presente,
Não traz coisas ruins e nem boas.
Ele apenas existe, passa e não volta.

Culpemos os que tentam pará-lo;
os que tentam ser contrários a ele.
Culpemos nós mesmos por subestimá-lo
e por dependermos dele.

Deixemos ele passar,
acompanhá-lo-emos.
O tempo não nos foi cruel.
Tudo passa, é o tempo.

Cruel é não passar, morrer.
Morrer uma morte viva,
onde tudo vive e nada passa,
nada passará.

Cruel é a solidão do tempo,
que sempre tem de cumprir seu papel
e ouvir as reclamações mais ingratas,
ser injustiçado no cumprimento de seu dever.

Só nos resta viver esse tempo,
passar esse tempo, passar com o tempo.
Nos resta esperar outros tempos,
sabendo que eles vêm.

Maior certeza que todas
é a de que o tempo passa.
Então, paciência.
Só podemos passar!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Palavras amarradas

Tenho que tomar cuidado por onde ando! Todas essas almas partidas, espalhadas e despedaçadas pelo chão...Não há limpeza nesse local, pois as almas não são recicláveis! Almas mortas por montes de palavras frias e cruéis. Cirúrgicas! Palavras que, ora saíram sem querer, ora pularam para fora e não mais puderam voltar; palavras escapulidas num momento em que o mundo não cabe nos pulmões e costelas da pessoa que as profere; palavras maldosas e inescrupulosas, má-intencionadas, também.
Nuas, proféticas e herméticas. Todos hermetismos passam necessariamente por essas palavras, que ajustam tudo como querem. Podem dizer muito ou dizer nada, ainda assim, de qualquer forma, poderosas! Manipuladoras e mecânicas, com vontade próprias. Todas essas que me saem agora, saíram planejadas, combinadas. Nada é aleatório ou tem livre-arbítrio, com exceção das palavras. E agora, jazem essas almas sob meus pés, amorfas, irreconhecíveis. Conhecidas e desconhecidas. Todas inteligentes, livres dessas palavras. Sem vida, entretanto. Até que me sinto bem nessa situação. Regozijo uma vida presa, truncada, atravancada, mas, contudo, vida. Meus olhos constroem palavras que ficam presas no fundo da minha retina, tatuadas lá para sempre. Sons, cores, texturas, são como essas almas. Mortas, independentes.
E há, por cima de tudo, um coração que bate. Um coração que sente, que se arrepende das almas, tal qual vidros em estilhaços, partes de um espelho que nos traz a imagem cansada de nossos rostos, e nos corta com seus cacos, mas o brilho ainda nos emociona. Um coração que bate, e como bate, e como sente, e como ama, e como vive, pulsa, luta, regozija, exubera. Deixo sair as palavras que tornaram meu dia chato, intragável. Vão, e tomara que não voltem, eu as amaldiçôo. Mas são necessárias. Um dia hão de levar minha alma. Até lá, ainda darei muito trabalho a elas com todo meu silêncio e meus sentimentos, calados. Nem um pio, silêncio. Meu coração se acalma, e assim fica. Silêncio, silêncio...

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

The Great Gig in the Sky

E vêm me falar de imortalidade. O que seria, permanecer imortal? Em princípio, seria o mesmo que viver para sempre? Eu juro que tento entender. Ou seria vagar por aí, moribundo, tentando mostrar que a vida após a morte existe? Mas, a nós, vivos, essa vida parece muito pouco atrativa, nos amedronta não só pela dúvida de sua existência, mas também pelo caráter como nos acostumamos a vê-la, putrefata e insubstancial.
Poderia ser deixarmos um legado a outras gerações, sermos lembrados para sempre, e assim, tudo ser apenas mais simbólico do que necessariamente espiritual ou material? Mas até que ponto seríamos imortais? Até que ponto nossos legados nos serão fiéis? Até que ponto nossas músicas, nossos escritos terão sua interpretação intacta, se é que um dia tiveram?
Subjetivas músicas, que nos dão, à nossas mãos, nossos pés, nossos corpos, a certeza da morte, a beleza da morte, o amor sublime, o amor do pecado, o medo, a traição, a rendição, submissão e por aí vai... sentimos tudo isso, muitas vezes nem sequer percebemos ou conseguimos nos exprimir. "Você escuta uma marcha, você marcha; você escuta uma valsa, você dança", disse Gary Oldman, como Beethoven, em "Minha Amada Imortal". Mas quão fiéis ou sensíveis podemos ser ao nosso maestro?
Imortal ou não, essa música hoje me preenche. Não digo a Nona sinfonia, ou a quinta, ou Für Elise. Digo de algo mais recente. Um que tem algo de obscuro, também; que tem ecos, que, na minha cabeça, soarão e ecoarão eternamente (ou enquanto durar a minha esgotável mente); que não teme a morte, ou pelo menos não quando ela está longe. Algo de um lado escuro da lua, que me deixa comfortável, comfortavelmente anestesiado. Algo que me faz lembrar como, muitas vezes, dizemos tchau antes de nos cumprimentarmos, e quase que por acaso, sem nenhum interesse, perguntamos: "como você se sente?" "Vai tudo bem?"
Sinceramente, eu prefereria que você estivesse aqui. Me faria sentir melhor, não me lembraria que, mesmo grandiosos, perecem. Não que eu vá esquecê-lo, mas este mundo me arraigou muito a ele, e muito disso tem um pouco de você, que deixou tudo mais fácil, embelezou um pouco. Talvez isso seja eternizar-se. Embelezar-se. Não no sentido fútil. Talvez até mudar a palavra para evitar ambigüidade. Mas embelezar, trazer alguma coisa que, independentemente das pessoas, ficará. Um disco, um plástico, ficarão; mas não é disso que eu falo. Uma música, eterna, que não precisa ser interpretada, uma energia que submerge de catacumbas milenares, nos transportam a galáxias muito distantes, obscurecidas pelas nuvens, ofuscados pelo gordo, velho Sol, queimando nossas vistas.
Eu pediria para você ficar e me ajudar a terminar o dia, mas é isso: temos que ir alguma hora, é inevitável. Um dia, eu e você apenas trocaremos os papéis. Eu estarei em seu lugar. Não ocuparei sua grandiosidade, mas estarei causando alguma filosofia em alguma mente que há de causar alguma filosofia, e, talvez assim, etéreos e distantes, seremos um pouco eternos, um pouquinho, pelo menos.
Vá em paz, Rick. Deixa muitos fãs, não daqueles fãs bobos, mas verdadeiros fãs, que admiram toda sua capacidade, apreciam com toda a fineza e rebeldia de espírito que nos é possível conciliar. Mais uma vez, vá em paz, Rick!

sábado, 9 de agosto de 2008

Brado retumbante

Um dia qualquer, não mais importante que o dia de hoje, acordei. Não tinha água, não tinha luz. Nenhum passarinho. Nada. Fui trabalhar, trânsito. O dia agourento rapidamente me tirou o que havia de tranquilidade. O céu vermelho do crepúsculo no outono trouxe à tona o ódio de tudo que eu tinha, um ódia também escarlate.
Uma lágrima escorreu pelas minhas bochechas. Caiu na minha mão, que coçou. Foi o estopim: gritei, esbravejei, clamei, xinguei, maldisse, bradei, praguejei, berrei, vociferei um som tão comprido, alto e destrutível que se calaram os arredores, os carros da rua, os prédios, para escutá-lo. Pararam as indústrias, as cidades vizinhas e transmitiu-se o grito ao mundo pelas antenas de rádio e TV. Tamanha cólera chocou o mundo, e fez-se a paz no Oriente Médio. Pararam de brigar famílias, gangues e máfias. Não houve inverno, que fugiu envergonhado, dando lugar à primavera. Foi a única vez que a fúria transmutou em amor. O mundo nunca mais foi o mesmo. Foi um só dia, mas foi o melhor dos dias.

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Texto escrito ainda em 2006, só estou copiando do antigo papel que aos poucos se amarela, ainda que meus pobres olhos não possam perceber.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Um fogo-fátuo, uma miragem

Aqueles olhos que passavam o dia a me vigiar!
Ainda que não pudesse manter os olhos em mim, sei que eu era obviamente vigiado. Cada vez mais a vigilância não cessa, não cede, não quero que ceda.
A verdade é que hoje não acordei pra poesia, apesar de uma certa fluência na minha materna língua.
Só sei que, desses olhos flamejantes, não escapei. Ainda bem, não escapei. Vermelhos, na verdade, não. Mas lindos, sem dúvida. Em toda essa brancura, tão alva, esconde o impecável sorriso, esconde os contornos que a mim, me parecem simétricos. A outra metade da simetria reside em mim. Os cabelos vermelhos, obviamente, tudo é falso. Não menos cativantes. Não menos poderosos, entretanto. Enlaçam-me, deixam-me perdido, me acham.
Não sei o quê, mas tem algo nessa foto de mais especial que muitas outras. O olhar um pouco egípcio, um pouco ainda dotado de adjetivos não presentes nos dicionários, mas, indubitavelmente bons adjetivos, dão um leve aroma à foto, como uma cor de alguma especiaria que nos faz sentir um gosto bom. Nada, portanto, impede de se sentir um gosto bom ante uma bela visão. Ou um belo cheiro inerente à própria imagem planificada de delineações sublimes, unicamente criadas e trabalhadas, artesanalmente, certamente provinda de algum cristal fino, que por descuido, se juntou ao barro de alguma costela de algum Adão, e formou algo tão sensível, quebradiço, mas que, pelas minhas mãos, hão de ter o cuidado necessário para que se resista à maior intempérie possível; hão de saber o sabor de um cuidado, um sabor de qualquer coisa que traga alguma felicidade, momentânea, mas um momento que não pode ser repetido e que na memória, entretanto, não pode cessar de existir, de ser e de se recriar.
Tudo isso nas cores, sons, formas, odores e tatos que o homem pode perceber. Há ainda tantas outras dimensões, ultra-violetas, sub-aromáticas, super-doces que só através de um poderoso sensível equipamento pode-se perceber: cumplicidade!

Muda?

-Muda alguma coisa?
-Se mudasse, estaria tudo diferente!
-Mas pode ser que ainda não mudou!
-Mas ah, o tempo antes de nós foi grande, não muda mais!
-E o tempo além?
-Garante-me que há?
-Não.
-Se mudasse, teria mudado! Se achamos que muda, o tempo que se passará antes da mudança será suficientemente grande para apagar a mudança, torná-la miserável, infinitesimal, como gostam de dizer matemáticos.
-Então não muda?
-Não haveria por quê mudar! O tempo desmuda! Sempre!

Um texto de não-sei-quê

Se não é a morte que nos assusta tanto, talvez seja a vida, pois!
Passo um bom tempo a assistir vídeos, clipes, ouvindo minhas músicas favoritas, sendo que uma boa parte, possivelmente, duas, três, quatro, cinqüenta, cem vezes mais velhas do que eu.
Me fazem pensar em tanta coisa, e muitas vezes perco bons pensamentos acreditando que começo a pensar outro melhor, mas aí o antigo, depois que percebo sua qualidade superior, me foge como foge um peixe, esguio, de nossas mãos ao tentar tocá-lo.
Assisto a várias bandas que meus pais ouviam, ouço-as com ouvidos novos, embora sejam sons antigos. Sons que possivelmente começaram a mudar o mundo antes mesmo que eu começasse a me entender como uma alma que se preparava para adentrar a penosa, porém não menos agradável, vida terrena.
Vejo tantos mortos que me comovem, me movem, mudam a batida do meu coração, e mais além ainda, mudam meus passos ao caminhar. John, Freddie, George, Syd, até Elvis, dentre muitos outros. Vejo lugares que nunca estive, mas sinto como se de lá emanasse parte da energia que me sustenta como ser ativo de algum restrito meio cultural do qual tento fazer parte e do meio social ao qual tento convidar muitos.
Não sei bem qual foi o meu intuito ao escrever isso, mas me saiu de modo que minhas entranhas não suportavam todas essas palavras juntas. Talvez fosse uma homenagem à grandes defuntos, que agora pagam pela vida que tiveram, como um dia hei de pagar, e, assim, toda minha energia esvair-se-á de modo que, no sono eterno, estarei preso não mais a um corpo, mas a uma forma estranha de energia que foi sinceramente criada, recriada, descomportada, divulgada e transferida por honorários defuntos ou pré-defuntos, onde leis e físicas não se aplicam, onde o som é, sim, uma onda, uma vibração mas que tem muito mais a ver com coração que com meio de propagação.
Seres propagantes somos nós. Em propaganda veloz ou até mesmo na mais lenta, porém duradoura, levamos adiante a fim de talvez lembrarmos de nossos tempos, quando vagarmos sem rumo, talvez fátuos, talvez disformes, levianamente descuidados com a realidade dos vivos, nos assustando cada vez mais com essa vida, cada vez mais preocupada com coisas que, no nosso tempo, e nos de nossos antepassados e dos sucessores da presente geração, não pode nos fazer nenhum sentido, e assim, dizendo sempre a frase: "no meu tempo..." - um tempo que jamais existiu, não fosse pela dubiedade que nos obrigamos a nos expor, esquecendo-nos que o nosso tempo não é nosso, mas, de alguma forma, devemos muito a quem tenta construí-lo, esses nossos defuntos, moribundos ou não, pioneiros ou não, mas que nos marcam, levam nosso presente a quem, um dia, o achará estranho, aceitando-o por quê, afinal de contas, tudo tem sua beleza.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Home, sweet home!

Tem dias
em que a simples casualidade
da existência nos tira a vontade
de nos levantarmos da cama.
E sempre no inverno, que tem frio.

O fato de, por acaso, existirmos
naquele momento chega a incomodar.
Não queremos, por um momento, ser.
Muito menos pensar.
Bom mesmo seria estar em outro lugar,
mas não seria eu,
pois estou aqui.

Estar por acaso
diante do mais belo ocaso
e sentir isto ser incapaz
de despertar algum nervo,
algum axônio, alguma terminação nervosa
ou algum receptor
acordar e nos dizer:
olhe como isto é lindo,
fique possesso de prazer!
Mas ele só percebe:
como está frio! Entre para casa!

Resignado, me vou.
Não para minha verdadeira casa,
mas minha longínqua casa,
onde não sinto nas paredes
o aconchego,
onde não há colo,
onde os móveis não podem,
em hipótese alguma,
ter um lugar certo.

Não, queria mesmo é não ser eu,
estar longe,
estar perto não da distância
e sim do conforto que só mesmo
minha verdadeira casa me dá,
minha família, amigos.

Já fugi de casa, agora quero o colo,
cansei de voltar depois das 3,
e de liberdade.

Quero ir para casa!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Sorte do Orkut (mais uma!)

Sorte de hoje: "O grande prazer da vida é fazer o impossível"

Escrito por um eterno frustrado.


Anônimo, diga-se de passagem!

Fruto Proibido

E o Padre diz, confiantemente, até levantando a voz, com seu sotaque ligeiramente italiano:
"...e é por isso, caros fiéis, que somos todos pecadores. Adão comeu do fruto proibido e foi expulso do paraíso, e apartir de então, cada criança que viria ao mundo seria concebida pelo pecado original!"
Uma construção muito inteligente, a católica/cristã. Desse modo, todos seríamos obrigados a nos purificarmos com alguma religião que seguisse esses dogmas. Mesmo um homem que em sua vida fosse absolutamente livre das contaminações da carne e se fosse possível que ele jamais pecasse, estaria assim preso à doutrina, de modo que jé veio como um pecado.
O Padre, ao final da missa, estava certo de que cumpriu seu papel. Viu no rosto dos fiéis que aquela tinha sido uma missa diferente e cativara todos. Viu o brilho em especial nos olhos de um jovem, que acreditava, antes mesmo de acreditar em Deus, na ciência, de modo que se mostrava confuso na maioria das vezes com relação a esses assuntos.
Esse mesmo jovem veio depois conversar com o Padre:
- Padre, todos nós somos frutos do fruto proibido? Aliás, melhor dizendo, todos nascemos do pecado mesmo?
- Sim, meu filho. Isso não quer dizer que estejamos condenados para sempre. Nascemos pecadores, e Ele não nos ama menos por causa disto.
- Mas isso pelo fato de papai e mamãe, vc sabe... - o jovem se sentiu bastante desconcertado quanto a tocar nesse assunto, embora o Padre tenha encarado com certa naturalidade de quem queria esclarecer tudo.
- Sim, meu filho. Esse é o modo com que somos concebidos e, ao mesmo tempo, o pecado original.
- Mas não tem a ver com o amor?
- Amor não absolve de pecados.
O jovem então sai consternado da conversa. Sempre acreditara no amor! Não que tenha parado de acreditar, mas saiu com certo receio de tudo. Pensou na vida, e no que era religião. Pensou, até que veio-lhe uma idéia. Se os homens que vêm do sexo são pecadores, o que o são os bebês de proveta, que nasceram sem haver o sexo para sua concepção? Os padres diriam que eram uma aberração que o homem criou. Mas teria o bebê culpa disso? Como o tinham os que nasceram do sexo?
Pensou muito a respeito. Achou que os bebês gerados artificialmente poderiam não ter o mesmo amor que um gerado à moda que antecede os impérios e as nações. Ou não, poderiam ser mais amados, pela dificuldade. Chegou à conclusão que também chegou Sócrates 2400 anos antes, não necessariamente sobre o mesmo assunto: que nada sabia. Continuou com sua crença de que o que era mais importante era o amor. Mesmo que o Padre dissesse que ele não absolvia as pessoas, mas o fazia sentir seguro. Mas continuou achando que agora, com a biogenética de vento em popa, era péssima desculpa achar que somos pecadores apenas pelo fato de sermos gerados pelo pecado.




Gostaria de deixar claro que não me posiciono contra ou à favor do catolicismo/cristianismo, só achei interessante o fato de bebês de proveta não virem do "pecado".

sábado, 31 de maio de 2008

Confissão

Ó Deus,
perdoe, acima de tudo, o meu egoísmo.
Mas como voltar meus olhos para minha realidade, ou para os outros,
se tenho meus olhos faltando?
Se os sentimentos que me afligem não estão à minha volta,
mas cruel e ardilmente infiltrados
em meu ego, a expulsá-lo para fora de mim?

Trago em meu rosto inquietas lágrimas,
água dura esculpida da pedra mole do meu íntimo,
e que carregam consigo todo um sofrimento,
uma saudade prévia,
como uma nostalgia de algo iminente,
que me faz vomitar um milhão de palavras sórdidas.

Ainda que o arbitrário destino
tenha seguido minhas ordens à risca,
bateu em mim como uma onda,
de água bem salgada, da mesma lágrima que corria em meu rosto,
carregada de sentimento, me lembrando de algo maior que o
próprio destino: o Tempo.

Não há mais tempo
para meus amigos,
só para as obrigações.

Não quero ir embora.
Sim, quero ir embora.
Amigos; profissão.

Me sinto agora numa casa vazia,
onde passei minha infância,
onde o calor me acolheu,
mas agora, as folhas cobrem o assoalho.
Abandono.
Frio.

Amo o futuro e o presente,
mas não a memória, e
por isso sofro tanto.
Mas eu quem escolhi.
Mudar, abandonar.
Não terei mais o futuro como o presente.
Terei um novo futuro.

Que me perdoem meus amigos e família também o meu egoísmo,
mas acima de vós, penso em mim,
e sei o quanto detesto isto,
mas me é natural. Inevitável.
Que não me entendam mal, não vos abandonarei.
Ainda assim, a distância dói.
Dói pensar que sou assim.
Dói crer que nunca saberão o quanto vos sou grato.
Dói lembrar que desperdicei tanto tempo contemplando o nada,
niilista.
Ainda assim, há algo que me consola
e compensa em muito todas as dores:
São e serão meus amigos, ainda que não o saibam
ou não se lembrem.
"O apreço não tem preço".

Escrita em 03/01/2007, em Goiânia

sexta-feira, 16 de maio de 2008

notícias reais

Todas as notícias ruins
saltaram dos jornais.
Todas as estatísticas,
os números maus
saíram da casualidade fatal
da displicência humana
para se aproximarem de mim.

A todos meus amigos que sofreram,
seu sofrimento também me comove,
também sofro, não por piedade,
mas um sofrimento sincero
de partilha.

Ao mesmo tempo
me lembra o quão próximo
são os problemas.
Não os corriqueiros, mas os sérios.
Os sérios, que normalmente andam distraídos,
sem notar nossa presença,
e que podem acabar nos achando
nesse esconderijo do qual
a todo momento ficamos sem cobertura.

Podemos a todo momento nos expor
com ou contra nossa vontade,
mas brincamos muito além dos limites,
nos refugiamos na probabilidade ínfima da sorte,
que se não fosse ínfima, não se chamaria "sorte".

Ver sofrimento ao meu lado
me lembra de como é triste sofrer
e como é bom ser ajudado,
ouvido.
Ouçam, amigos:
sempre estarei com vocês.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pequeno Soneto Noturno

Espero que me escutes,
minhas palavras doces,
minhas carícias verbais,
a sexualidade limpa do meu dizer.

Quero apenas dizer
o que queres ouvir,
mesmo que para isso
eu não precise dizer nada.

Quero que leias as palavras mudas dos meus lábios;
quero que leias meus lábios...
...em braile.

Quero nós dois,
surdos e cegos,
onde haja só o cheirar, tocar, sentir.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Nós, filhos ingratos

Somos mesmo filhos ingratos. Todos nós. Todo ser-humano, via de regra, demonstra, várias vezes na vida o quanto se é um filho ingrato. Os pais sofrem durante meses para cuidar de nós quando ainda nem conseguimos comer direito, nem abrir os olhos. Já nos amam mesmo antes de nascermos. E nos amam independente do que fizermos, por mais decepcionados ou nervosos que estejam conosco. E continuam nos amando quando maiores, e mesmo que tenhamos 90 anos e eles 120, se preocuparão a cada vez que sairmos do alcance de suas vistas ou de suas mãos.

Nós, os filhos, os amamos, sem dúvida. Mas não da mesma maneira. Não que amemos pouco ou insuficientemente, mas um amor mais instável. Nossos pais sempre pensam na gente. Nós, não. Às vezes, até queremos esquecê-los. Depois, nos arrependemos amargamente de ter desejado isso. Nós não pensamos neles quando brigamos na escola, ou quando tomamos o primeiro porre, ou quando começamos a namorar, ou quando batemos o carro. Só pensamos depois que tudo isso acontece. Negligenciamos muito a quem mais nos deu. E isso faz de todos nós, filhos ingratos.

Dizem que só se aprende a ser filho quando se é pai, e só se aprende a ser pai quando se é avô. Mas ainda me intriga: conseguimos, de verdade, aprender essas coisas? Erramos muito tentando ser o pai perfeito ou o filho perfeito. Acabamos sofrendo muito com isso. Somos dotados da capacidade de errar e aprender, e isso nos tira a capacidade de não errar. Isso não nos torna mais fracos. Isso nos torna vulneráveis, suscetíveis ao erro, mas aprender nos torna forte. Muitos pais não percebem o quanto um filho é diferente do outro, e trata-os igualmente. Ledo engano. Quem é igual a quem para receber o mesmo tratamento? Se assim fosse, com certeza teríamos um guia prático: como criar seu filho em 10 lições. Se existe, não funciona. Não que eu seja pai, mas desse ponto eu entendo, pois sou filho, e me acho diferente dos meus irmãos.

Tentemos fazer a primeira geração de pais que entendem os filhos e de filhos que entendem os pais. Já temos diferentes religiões que se entendem, temos diferentes culturas que se entendem, mas precisamos de pais e filhos que se entendam. Invalidar as brigas de gerações que sempre existiu. Especialmente por parte dos filhos. Afinal de contas, teremos filhos, que terão filhos, que terão filhos e que terão filhos. E que terão filhos. O que fica, é o amor.


PS: Escrito em 23/04/08

sábado, 10 de maio de 2008

Devaneios de um árcade perdido no século XXI

E quando nos esquecemos do mundo?
de todas suas preocupações,
de todos seus erros,
vivemos um belo dia de sol
com todo esse orvalho nessa relva
dourada pelo sol das 5.

Nos entregamos ao som, à luz
aos veludosos sentimentos táteis
e aos olores,
simplesmente.
Vivemos só do que nos apraz
e perdemos várias horas massageando nosso Id.

Temos aí um mundo belo,
e amamos tudo,
amamos o amor,
e nos conformamos com o que temos
e agradecemos pelo que somos.
Percebemos que o tempo corre.
O tempo voa.
Voa desajeitado como um albatroz
e faz-nos ir ao limite de cada experiência
Regozijar-nos com o bucolismo
e a simplicidade de tudo.

Esse é o primeiro mundo,
não dos países,
mas das descobertas da infância.
Da primeira experiência da vida.
É o mundo que sempre fazemos questão
de nos lembrarmos que ele existe.

domingo, 4 de maio de 2008

A vida em verbos

Nascer.
Olhar, conhecer, reconhecer.
Andar, sorrir, falar.
Equilibrar.
Correr.
Brincar. Aprender.
Crescer.

Brincar, brincar.
Aprender, aprender.
Descobrir, pentelhar,
brincar, aprender,
brincar.
Crescer.

Pentelhar, pentelhar,
aprender, viver,
conviver,
lembrar.
Brincar, cansar,
querer, desejar.
Crescer.

Fazer, viver, emancipar.
aprender, experimentar,
acelerar.
Lembrar.
Estudar, aprender
Viver, viver, viver, sair.
Namorar, "pegar", ficar.
Amar.
Beber.
Experimentar, desiludir.
Envergonhar-se.
Crescer.

Cansar, casar.
Beber, comer.
Beber.
Engordar
Reclamar, acomodar.
Trabalhar.
Lembrar.
Lembrar.
Envelhecer.

Enriquecer, endurecer.
Beber, viajar.
Voar, enriquecer,
engordar, engordar,
trabalhar, trabalhar, trabalhar.
Reclamar, reclamar.
Lembrar, lembrar, lembrar.
Esquecer.
Envelhecer.

Aposentar.
Aconselhar, gastar.
Ouvir, falar, sentar, deitar.
Reclamar, reclamar, reclamar.
Sentir.
Lembrar, lembrar, lembrar, lembrar, lembrar.
Esquecer, esquecer, esquecer.
Adoecer.

Esquecer.
Morrer.

Aviões

Ah! como estava belo o céu.
Dia frio e com muitas estrelas,
estas, presas no escuro Éter.

Foi quando vi aquele solitário avião,
como uma estrela que se desprendeu do Éter
e que buscava em vão a gravidade
e quedar-se, cadente.
(não que o avião queria cair)

Viajava só, com suas luzes,
implorando ser visto.
Era visível que aquele
era um avião triste.
Ninguém dentro dele queria viajar ali.
Era um avião apenas de partida
e ninguém festejaria quando aterrizasse;
ninguém o esperava ansiosamente.

Sumiu por detrás de uma árvore,
escondendo a tristeza que carregava
mas carregou de sombras por onde passou.
Devastou.
Deixou em pedaços os meus sentimentos;
deixou-me com frio.
Deixou em pedaços todos meus sentimentos
e deixou a tristeza e a saudade.

Amanhã, com um pouco de sorte,
vejo o avião rosa e grená
que traz os sentimentos de volta,
volta com a gente,
nos leva para casa,
para onde a luz nos traz o amor
e o amor nos traz aonde preferimos apagar as luzes.

Do verbo Amar

Essa inexperiência que me incomoda:
amor, como conhecê-lo?
Nunca amei: como sabê-lo?
O que será o amor?

Vontade insaciável de fazê-lo?
Amor.
Amar, no pior dos sentidos? Sujo?
Amar o sexo, sexo com amor? Limpo?

Vontade de compartilhar?
Dividir? Apossar?
Ciúmes?
Ciúmes.
Desejar uma vida presa,
fazer do cônjuge uma presa;
estar-se preso por vontade.
Fazer com que o outro se prenda.
Prender os olhos nos olhos da presa.
Uma frase no espelho.

Viver em cada vão momento,
sempre e intensamente?
Mas qual a diferença entre viver e amar?
Amar a vida.
Amar a outro.
Fazer, amar, viver.
Fazer amor; viver.

Viver o belo,
ao lado de uma bela,
à luz de velas,
preso na cela
que faz-nos querer ser criminosos ou cúmplices
desejarmos a prisão, perpétua.
Eterna.
Pena capital;
pecado capital.

Amor: como sabê-lo?

domingo, 6 de abril de 2008

Sem palavras

Tento escrever,
não me saem as palavras.

Queria tanto fazer um poema
de amor, que não me vem.

Queria dizer as palavras certas,
tocar-lhe o coração,
a alma.
Apaixonar-lhe.

Não podes me ouvir,
não podes me ler;
não me saem as palavras.

Queria ver teus olhos
sangrarem transparente
pelo meu canto, minha paixão.
Pelo que eu sinceramente digo.

Juro que tentei escrever,
chamei, gritei, clamei palavras bonitas.
Vieram apenas as comuns,
desculparem-se, humildemente.
Nenhuma à altura por ti merecida.

Essas palavras, vêm, ajoelhadas,
esperando o castigo
por sua ineficiência,
pagando o preço do meu vocabulário,
velho e doente,
agora triste,
que só quis dizer de uma forma bonita:
Eu te amo.

Curtam o curto

Sim, temos curto o tempo,
curtam;
temos curto o dinheiro,
mas sobrevivemos,
vivemos,
que nos excessos nos perdemos.

terça-feira, 18 de março de 2008

O Velho Damião

Era velho. Era velho e rabugento. Ainda por cima se chamava Damião. Era o Senhor Dos Tempos naquele lugar. Dividia e distribuía a esmo todo o tempo ao resto das pessoas. Ninguém conhecia ou podia ver Damião. O Velho Damião. Sempre enfurnado na sua quase tediosa tarefa de dar tempo aos outros. Às vezes, dava muito tempo, outras, quase nada. Já que se entediava o dia inteiro com seu trabalho, garantia que as pessoas não sairiam satisfeitas com o seu trabalho.
Fazia questão de dar muito pouco tempo a quem estava muito ocupado. Ou muito feliz. Odiava a felicidade das pessoas. Se não tinha a sua, tomava a dos outros. Quando o mundo parecia se voltar contra alguém, ofertava uma infinitude de tempo para esse. Não deixava tempo para que as pessoas pudessem distrair-se. Um piscar de olhos poderiam durar minutos sem que ninguém percebesse. O tempo realmente voa.
Olhava duas crianças brincando e tomava-lhes o tempo, a infância; tomava a decência, a inocência. Em troca, guardava um futuro de responsabilidades e estresse e lho dava a elas. Não tinha mais infância, então por que outros haveriam de tê-la? Seu coração era intocável; suas veias, duras, secas e cruéis.
Velho Damião. Judiava dos outros velhos. Quem mandou querer envenlhecer? Agora, sofram, nessa eternidade entre a meia-vida e a morte. Moribundos! Hão de sentir todo o peso de todo o tempo que tiveram, e o Velho Damião ainda haveria de dar mais tempo, tempo de sofrimento, tempo de ver um mundo diferente, tempo de deixar nostalgia, em que é impossível se adaptar ao novo quotidiano; aos tempos novos.
Ele, porém, era quem mais sofria. Era, pois, velho, rabugento, invisível. Não que isso justifique suas atitudes. Gostava de não ser gostado. Gostava por que não sabia como seria ser gostado. Gastara todo seu tempo dando tempo aos outros, mas nunca soube dar um tempo. Um tempo merecido. Um tempo aos amores, ao ócio, à criatividade. Principalmente ao pôr-do-Sol. O amargo solitarismo deixava Velho Damião subjugado pelo pleno totalitarismo do ódio, da amargura, longe do samba e do Sol.

sábado, 8 de março de 2008

SDO

"É difícil resistir seu jeito cativante"

Acho que essa sorte não é só de hj não heheheh
se for assim, essa deveria ser "Sorte de toda sua vida"

A não ser que esse meu jeito cativante acabe hj...
acho bom aproveitar logo.

quarta-feira, 5 de março de 2008

...à aquele futuro.

Andei.
Andei perto da morte,
andei perto do limite...
...de velocidade.
Ultrapassei a linha,
que dizia proibido ultrapassar.

Conduzi durante tempo mais do que suficiente,
indignamente minha vida,
desleixadamente, descuidei do presente,
deixei que chegasse até o ponto
em que muito pouco me importava,
sem lembrar que outros se importam,
que eu devo me importar,
que há muitas coisas além da noite
e do dia mal dormido,
além dos dias perdidos.

Há muitas coisas além do niilismo,
além do que não tem importância
e que o que há além disso,
é dotado de conteúdo,
do frescor da mais pura das fontes,
e que, desse líquido, não se extrai a embriaguez,
mas é capaz de nos abrir outros horizontes.

Assim, aquela velha caminhada
começa a fazer sentido.
Tropeçar é normal
e nos ensina a olhar para o chão.
Abaixar a cabeça.
Lembrar que qualquer pedra é suficiente para
provocar dor. Talvez até muita dor.

Coma

O mundo se torna tão frio,
e a luz, ineficaz.
O fim, curiosamente próximo,
insanamente imperceptível.

Viver às custas do estritamente necessário.
Esquecer dos amores, dos sentimentos,
dos sentidos, não se saber vivo ou morto,
não se saber.

Estar à parte do ambiente,
nem é a pior parte.
Não se sentir sentido
é onde o coração se parte.
Não se sentir; não sentir que os outros te sentem.
Sentir que nos parte toda nossa natureza,
Saber que se estreitam as relações do nada
com o nosso existir.


Sim, vida e morte coexistem.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Finalmente de volta!

Andei bastante ausente nesses últimos dias. Um mês completo, para ser franco. Acho que está na hora de voltar. Andei lendo algumas coisas interessantes, principalmente poesias e outros blogs elegantemente inteligentes. Tive também experiências diversas nas férias, que com certeza enriquecerão um pouco o conteúdo do blog. Acho realmente que eu amadureci um bocado, por causa dessas experiências que me fizeram repensar várias coisas. Assim que eu tiver achado um lugar apropriado para escrever, volto com novidades que, pelo menos para mim, vão fazer muito sentido.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

SDO

"Faça apenas o que o coração manda"

Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate. Bate...

Se eu continuar assim, vou para a Inglaterra virar Hooligan.

Sorte do Orkut, 29/01/2008

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Intocável e Imortal

Sentou-se. Não conseguia fazer absolutamente nada. Era extremamente terrível a sensação de niilismo que o abatera. Perdera a vida, ela lhe escorria por entre os dedos, seu relógio certamente havia parado. Todos os sons, pareciam-lhe apenas barulho. Não havia nada simples. Tudo parecia terminantemente terrível, a vida, sonhos, pessoas, mundo, convivência, conveniência também.

Em verdade, não sei ao certo o que aconteceu. Havia qualquer coisa que não significasse vida nos olhos de Carlos. Carlos Magalhães Lima era seu nome completo. Ultimamente, por razoes desconhecidas, ou mesmo pela falta de qualquer razão, Carlos se entregara à vida. Vivia sem alegria, sem vida, sem morte, de modo que mesmo a idéia da morte não o incomodava em absoluto. Para ele, não era a morte a angustia de quem vive, mas a vida, o comum, as pessoas, o ambiente que ele ou qualquer outro freqüentava. Não agüentava mais nada, nada lhe pesava, nada lhe abatia, nada lhe erguia; era um anônimo. Mais ainda, era um nada, um conjunto vazio.

Há quem diga que foi amor, ou que foram drogas, ou que não foi nada, que sempre fora assim. Verdade sendo, disfarçava extremamente bem. Nunca fora assim, não. Foi do tipo que brigava, não à toa, mas pelo que lhe significava algo, mesmo sendo simples. Brigava por uns centavos, mas também brigava por qualquer decreto que lhe feria a hombridade, honra ou a liberdade.

Não importa. Voltemos à parte que trata da sua falta de vida. Alias, não é correto dizer que lhe faltava vida. Faltava morte, que é a morte que nos dá a vida. Vivemos para morrer, e assim aproveitamos enquanto a morte não vem. É como quando estamos na casa de nossa avó, esperando nossos pais nos buscarem, e aproveitamos a companhia dos nossos primos e a boa comida, característica das avós. Faltava-lhe a morte, era isso. Morte? Morte... pela primeira vez essa palavra lhe pareceu atrativa. E por que não? Sempre fora curioso quanto a isso. Quanto a tudo, mas especialmente as coisas que jamais poderão ser explicadas, sendo sempre muito mais fã das interrogações do que exclamações.

Decidiu morrer. Escreveria. Com certeza a maioria não compreenderia, não aceitaria, preferiria outro fim, mas não iria ou deixaria de ir por motivos de outros. Tentaria explicar ao maximo, sem esperança de confortar alguém; algum ser - humano seria capaz de compreendê-lo, sentiria como ele. Teria, agora, de planejar tudo, pensar em como partir, pensar em como evitar que qualquer um descobrisse, em se manter anônimo, evitar noticia espalhafatosa. Havia muito que ser feito. Não deixaria tudo correr solto.

Pensou muito em “como”; deixou o “quando” para depois, por ser o menos importante na situação. Preferiu evitar as mais longas e dolorosas, por motivos óbvios. Nada que chamasse atenção. Numa tacada só, descartou: pular de um prédio, afogamento, fogo, enforcamento. Pensou em venenos, mas preferiu algo que fosse pelo menos excitante, inebriante. Como já disse, não era falta de vida o problema. Pelo visto, o “como” passou a ser a parte mais complicada e delicada, a mais detalhadamente pensada.

Um dia, divagando e caminhando pela noite, viu algo que com certeza, foi fundamental para todo o resto, para o fim. Enquanto voltava de ônibus para casa, onze da noite, logo após dar uma nota de cinqüenta reais para um anônimo, viu outro anônimo sacando uma arma e usando-a para intimidar uma terceira pessoa, que certamente ficou intimidada, fazendo-a entrega-lo todos os pertences. Carlos pensou: por que não?

Por que não desafiar a morte daquele jeito? Seria necessária muita coragem, mas com certeza, também seria necessária coragem para qualquer outra opção. Decidiu andar mais vezes tarde da noite, em lugares propensos à criminalidade. Seria interessante, testar os limites de uma pessoa, avaliar o grau de nervosismo da mesma. Poderia ser que tudo saísse errado também. Poderia perder para sempre a chance de acabar-se. Não, não perderia a chance, apenas demoraria mais. Mas preferia, certamente, um tiro no coração a um tiro na espinha.

Foi numa dessas caminhadas que um ser, esguio, num moreno pálido, com um bigode ralo e uma mecha dos cabelos extremamente crespos descolorada, abordou-o. Não tinha absolutamente nada em suas mãos alem dos calos e das marcas dos ossos, da falta de carne. Parecia, em verdade, um zumbi, mais morto - vivo do que Carlos. Parecia viver por um impulso que não seria outro senão algum tipo de entorpecente. Pediu dinheiro a Carlos, que recusou. Pediu agressivamente dinheiro a Carlos. Pediu com ameaças dinheiro a Carlos, que constantemente recusava, indiferentemente, sem intempéries ou demonstração de que iria ceder. Um dos dois, Carlos ou o homem, cederia, e Carlos continuava caminhando, dizendo que não. O homem fez menção de chamar alguém mais, mas percebeu que a rua estava completamente deserta. Mas como? Seus amigos estariam esperando ali, para caso de encrenca. O outro cedeu.

Num outro dia, não teve a mesma sorte. Foi abordado por um baixote que estava mais nervoso do que se estivesse pedindo um beijo a primeira namorada. Devia ser a primeira vez, e não tinha mais que nove anos. Isso certamente comoveria ou encheria de ódio algum cidadão normal, mas não Carlos, que não se importava mais, mas começava a se preocupar com o fato de que talvez não conseguisse desafiar a morte.

Num dia extremamente quente, úmido e pegajoso, resolveu andar. Não se importava com nada, mas desagrados físicos realmente faziam Carlos sentir algo, mas algo não mais do que desconforto, e isso o fazia andar, sair, mover-se. Coincidentemente, passou uma moto preta, bem descuidada, em alta velocidade por ele. Algo em torno de 20 segundos depois, surge a mesma moto, com dois homens claramente armados com pistolas automáticas, talvez de calibre 9mm. Faziam pressão para que ele desse tudo que estava carregando, inclusive o par de tênis que usava. Um frio gelado caminhou vagarosamente pelas costas. Logo depois, um calor penetrante percorreu o mesmo caminho. O abdômen pareceu-lhe que estava envolto em um bloco de gelo, e se contraia. Tudo isso não durou 1 segundo completo. Veio a parte pensante a controlar-lhe todas as sensações. Sentiu agora, um calor confortável que lhe dava uma agradável sensação de controle da situação.

Os dois homens freneticamente pediam-lhe tudo, avisando que não hesitariam em disparar a arma, e que não se importavam em matar um a mais ou um a menos. Matá-lo-iam, diziam. Para algum leitor desatento, observe que agora uma pontada de qualquer humanidade penetrou o corpo de Carlos. Carlos fez transparecer um misto de indiferença, niilismo e desafio. Quando os homens engrossavam o tom de voz, Carlos fazia se sentir indiferente; quando os dois lhe intimidavam fazendo-lhe ameaças, ele crescia, parecia tomar proporções gigantes, e os dois revidavam, crescendo ainda mais, ajudados pelo porte das armas. Ganhavam então, novamente a indiferença. A indiferença ora deixava-os terminantemente odiosos, e nessas horas tinham certeza de que haveriam de matar Carlos; ora, deixava-os insignificantes, temerosos ante um ser que ignorava qualquer desafio ou instinto de sobrevivência. Quem seria esse maldito homem que não teme ser levado pela dama de preto, infalível e impassível? Por que não tinha medo? Diacho.

Passavam carros e mais carros próximo a eles. Acho que todos sentiam que havia uma fumaça preta em volta daquela moto e daqueles homens. Era preta, mas invisível, como uma vertigem, que se vê, mas quando passa a tontura, percebe-se enganado e tudo parece então limpo, claro.

Carlos permanecia impassível. O seu coração, no entanto, começava a acelerar, gradativamente. Sentia cada vez mais um misto de alegria, medo. Medo, não, era mais adrenalina. Sentia-se numa montanha russa, mas mais alta do que qualquer pessoa jamais imaginara. Sempre, entretanto, tentava controlar tudo isso. Não podia parecer humano, não a esta altura do campeonato. A tensão aumentava entre os três. Os dois homens já começavam agora a divergir. Não tinham mais aquele velho plano que sempre funcionara. Cada um queria agir de acordo com a sua índole. Não tinham mais um objetivo comum. Nesse momento, já quase disputavam entre si quem conseguiria obter os pertences desse... desse verme!

Era o fim. Decidiram então por fim que iriam embora, mas não iriam de graça. Fariam qualquer coisa com o rapaz. Um sacou a arma, apontou-a. Ouviram uma sirene, ou pensaram ouvir. Escondeu rapidamente a arma, que acidentalmente disparou aleatoriamente. Todos se assustaram. Por sorte, Carlos paralisava em momentos de susto. Passados três segundos, se controlou. Os dois fugiram. Não sabem por que. Não era intenção chamar atenção, mas que rapaz maldito!

A caminho de casa, Carlos pensou um pouco. Não sabia se tivera sorte ou azar. Queria realmente testar o limite das pessoas, testar o seu limite. Testou ambos, não atingiu o principal objetivo, mas estava se sentindo absurdamente bem. Sentiu-se alto, inatingível, intocável. Sentiu-se como o Al Capone, como o Michael Corleone. Viveu, voltou a sentir. Desafiou-se. Não sabia o que sentir. Sentia apenas que seu corpo não poderia ser atingido, sentou na calcada e esperou, por nada. Esperou pela morte, mas não a queria mais. Mas queria continuar daquele jeito, inatingível. Para isso, precisava não sentir a morte, caminhar lado a lado com ela e não a reconhecer. Não fez mais nada o dia inteiro. Absolutamente nada. Fazer o que? Nada traria de volta aquela vontade incomensurável de ser parte do vácuo, do vazio. Voltou aquele niilismo. Sentiu-se feliz, e não sentiu nada.

Danilo Brito Steckelberg,

Campinas, 13 de setembro de 2007.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Em nome do amor


Amo-te inexplicavelmente,
Sempre mais do que ontem,
nunca menos que amanhã.

Não que meu amor esteja se acabando,
é apenas impossível amar-te mais do que já amo.
Ainda assim tenho certeza absoluta,
que, de alguma forma, amar-te-ei mais.

Não na intensidade, mas de diferentes formas.
Amo-te possessivamente,
além do meu racionalismo.

Tenho este amor doentio.
Tu me tens, mas você é minha.
Prefiro matar-te a perder-te.
Prefiro ter-me como assassino
que como perdedor.

Um amor excessivo,
possesso, sem escrúpulos.
Torna tudo o que há de bom em mim
em algo maligno.

Como uma vontade de que não existisse mais humanidade.
Só duas pessoas.
E, de quando em quando,
quero tornar esse desejo realidade.
Tornar-me um "humanicida".

Um brinde a todo sangue derramado
em nome do amor.

...ao Futuro

Assim vou caminhando,
pé ante pé
(o que é óbvio, senão eu cairia),
lentamente.

Não sei nada do que tem à minha frente.
Não me basta a visão para conhecer o lugar.
Me basta o que minha imaginação me der.
Mas ainda não sei como ela vai se sair.

É muito estranho não se conhecer,
achar-se dono de si mesmo
e se surpreender com suas reações.
Descobrir-se desprovido de controle.

Ah, saudade do tempo em que éramos tão simples...
"Quando foi que tudo se complicou tanto?"
Foi no tempo em que queremos crescer.
Descobrir novos horizontes.
Mas, tudo vale a pena, tudo vira história.
Depende do tamanho da alma.
Que reflete o tamanho da imaginação.

Meus pés continuam a se mover,
insistentemente.
Acho que começo a chegar em algum lugar,
não me importa muito onde.

Este mundo em que chego possui várias cores,
que se misturam, que se entrelaçam.
Se mostram em diferentes modos...
se exibem!

Salve toda essa psicodelia,
toda falta de senso,
de saber o que estou fazendo.

Salve o subconsciente,
salvem os serial-killers,
salvem-se quem puder.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Suplicável mundo novo



Dê-me minhas pílulas,
não quero mais saber de todo esse tédio.
A sensação de estar só
mas rodeado de pessoas me assusta.
E assusta aos outros.

Não adianta usar as velhas pílulas de farinha;
placebo já não faz efeito.
Não é mais psicológico, é químico, físico.

Este mundo doente agora vive de drogas,
drogas lícitas ou não,
coroando com louros Huxley,
e sua Somma, a droga do futuro,
uma janta de pílulas.
Aplaudamos!

Estão se esquecendo de tudo,
da companhia, dos sabores,
o que seria aproveitar.
Ainda temos o mundo,
e estamos estragando-o.

O mundo está estragado,
mas não por fumaça ou óxidos e dióxidos.
Está estragado pelo niilismo,
pela falta de consideração
para coisas extremamente simples.
Para um final de semana, por exemplo.

Não me importo de respirar fumaça.
Não me importo de estar no trânsito.
Não me importo com a falta de educação das pessoas.
Só me importo com meu próprio bem-estar,
e em como aproveitar tudo que está ao meu redor.

Viver um mundo por pior que ele seja,
e tirar o melhor dele.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Frase solta 2

A morte deve ser algo realmente improvável, visto que dentre todos os momentos da vida, ela só ocorre uma vez.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Experiência de Quase Morte (EQM)

Eu vi naqueles olhos, temporariamente cegos, a dor que suplicava pelo fim. Vi tanto sofrimento que seria capaz de retirar de todo o resto do mundo, toda a dor, se assim fosse possível. Mas a dor de um não subtrai a do outro. Todo o mundo, enfardado, encaixotado num tórax frágil, dócil, ofegante. Pesado. Trajado de uma pulsação incomum que demonstrava a inaptidão das moléculas em roubar do ar que nos cerca o oxigênio, retirar da química a energia, necessária até para o sofrimento.
Sim, tudo isso foi possível perceber pelos moribundos olhos da pobre criatura, indefesa, imaginem, contra seres que não possuem sequer um milésimo do seu tamanho. Protozoários e medicamentos. Foi terrível ver aquela vida enérgica definhar, suas células se renderem, se entregarem, embora não sem luta, e Deus sabe como lutaram. Aquele corpo em convulsão, aterrado de agentes químicos e biológicos.
Cheguei a chorar a perda de um ente, antes mesmo que ele me surpreendesse com uma reviravolta inesperada. Na tênue linha que nos separa das dimensões da morte, estava a criatura, mas sua hora não chegara. E surpreendera de uma forma inexplicável os que o cercam. Agradeci a surpresa. De joelhos, mesmo que incrédulo, peço perdão a Deus, Alá, Buda, Shiva ou qualquer outra divindade aqui presente, por não ter acreditado no que sempre me dizem para acreditar: esperança e vida. De joelhos, ainda, agradeço.
Reavaliei tudo que eu imaginava da vida. Realmente, de nada adianta demontrar como se gosta de uma pessoa com flores no seu mausoléu. E a vida? Como já diz um antigo texto da língua espanhola "En vida, hermano, en vida": se realmente ama uma pessoa, diga a ela hoje. "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã". Um dia esse amanhã será demasiado tarde. Vai-se esperar que seja apenas um sonho ruim, que esse amanhã nunca seja o hoje, mas, salvo as circunstâncias da morte, esse amanhã sempre chega. Pelo menos enquanto se está vivo, e quando se morre, se causa todas essas senações em outras pessoas. Muitas, inconformadas. Outras, inconsoláveis. Outras, chateadas, e não mais que isso. A grande maioria, indiferente.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Aquele Amor

E amou daquela vez como se fosse a primeira.
Viveu daquele amor sem eira nem beira,
viveu-o na sarjeta, à míngua.

Viveu-o até que morresse.
Até que a fome e a sede,
a tortura, insolidez e
a insustentável concretização
de qualquer forma não miserável de amar
roubasse-lhe toda a insaciabilidade da vida,
da descoberta, da imprecisão e da incerteza
da banalidade nobre da vida do dia-a-dia.

E, daquele amor, nada aproveitou.
Não passou de rosas, agora murchas,
de encontros de mãos, agora separadas,
de pensamentos furtivos, agora esvaídos,
de encontros de olhos, agora incorrespondidos.

Depois de tanto perder, aprende-se a perder.
Se se perde uma vez, perde-se para sempre.
Perde-se a prepotência e a arrogância
de nos dizermos senhores de nossos corpos,
regidos, em verdade, por frios, calafrios, suores frios,
pela sensação de imcompletude e da eterna necessidade
de nos firmarmos com um exato oposto,
tão exato que, apesar de oposto,
se encaixa perfeitamente em nossas falhas,
nos torna fortes.
Assim tornamos a entediante aventura
de apenas estarmos vivos
em viver todos os momentos,
à espera do próximo momento.