sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Guerra dos Sexos

Poema não é poesia.
Poema pode ser poeminha
e pode ser poemão.
E a poesia?
É só poesia.

Por que poema é masculino,
e precisa se afirmar.
Poesia é feminino,
grande por si só,
tão grande
que só precisa passar.

Poema é epopéia,
poesia é inspiração,
é elevação das idéias.

Jamais confunda:
poema não é poesia.

Poeminha

Deu vontade de escrever
de escrever um poeminha
bem simples e sem rima,
um poeminha que não diz
nada de mais,
mas que fala das plantas
e do mar,
que fala das ondas,
fala da relva,
fala dos animais,
que toda criança gosta de animais.
Este poeminha
ninguém pode ler
por que ninguém pode saber
que eu escrevo poeminhas.
Este poeminha é tão bobinho,
não tem romance,
não tem beijo de novela
(daqueles na boca que fica virando o rosto),
não tem nada de mais.
Mas depois vou escrever um poeminha
para a Laurinha,
tão bonitinha,
que nunca me nota.
Ela senta na terceira cadeira,
na fileira do meio,
é tão bonitinha...
Este poeminha vai ficar guardado
aqui nesta gavetinha.
Quando um dia quem sabe
eu for mudar de casa
vou achar ele guardado
no fundo dela, bem dobradinho
porque não queria que ninguém lesse,
vou ler e vou chorar
e vou ver que o que eu vou escrever
é muito diferente do o que eu escrevi aqui
e mesmo não tendo dizendo tanta coisa assim
vou me emocionar muito
por que este poeminha
não está mais tão pequenininho assim,
mas tenho por ele tanto apreço
que não cabe na margem do papel
que minha professora disse
que era importante respeitar,
mas não sei por quê.
E quando eu chorar
lendo este poeminha
não vai ser de tristeza,
só se cair uma lágrima
e manchar minha letrinha.
Vai ser um choro de alegria
por que vou sentir
que este poeminha ainda tem
tudo que eu sempre costumei sentir
e tudo que eu sempre me lembrei
que gostava,
do jeito que eu lembro
que gosto de chocolate,
que gosto de canudinho de doce de leite
e que gosto de lamber os dedos
depois de comer salgadinhos,
e também que gosto de comer salgadinhos.
Este poeminha
sempre vai ser meu xodó.
Vai ser meu guardião
como o anjo-da-guarda.

A Passagem

Sentia-se velho e estava atado a todo tipo de amarras: seu corpo estava sufocado pelos tubos, sua mente pela morfina e sua alma pelo medo do que se seguiria àquele dia - provavelmente, sentia, seu último. Ouvia o lento barulho do medidor de batimentos cardíacos ao seu lado soltando sons infernizadoramente agudos para um velho, mas tinha ouvidos catarados e quase não ouvia nada - o que não deixava de ser um murmurinho incômodo. Não entendia nada do que estava acontecendo, na verdade. Seu cérebro tinha plena consciência da doença, sabia quais eram as causas e o que danificava seu corpo, tantas vezes os médicos lhe explicaram, mas a mensagem se perdia em algum caminho e os leucócitos agiam de forma totalmente irracional. Já tinha tido uma parada cardíaca e até tinha morrido, mas ressucitaram-no. Lembrou-se da morte. Na verdade, só lembrou que tinha morrido, por que da morte em si, nunca poderia se lembrar. Essa era a lei, esse era o combinado. Mas isso o dava ainda mais medo. Se não se lembraria depois, era como se viver já fosse a própria morte e morrer seria morrer para sempre, mesmo que se voltasse depois. Pensou naquelas malditas bactérias manifestando-se, seres de milionésimos de milímetros fazendo chorar de dor um homem de um e oitenta, forte outrora como um touro. Ouviu os médicos chegarem, estudarem o caso e conversarem, mas as conversas não faziam muito sentido, nomes estranhos e uma dose de morfina ainda recente circulando seus vasos podem distorcer muitas palavras. Ficou com preguiça de ouvir tudo aquilo. Ficou com preguiça de ver as coisas como elas não são. Em outros tempos, daria tudo para ver o mundo sob a psicodélica ótica da morfina, mas agora parecia que entupia-se de lixo. E lixo é o que jamais deveria ser, é o que jamais seria.
Parou. Parou de bater, só havia o barulho constante do medidor de batimentos, nada de pulsos, de sons intermintentes. Entreolharam-se os médicos, estupefatos, não entendendo nada. Estudavam aquele caso como uma recuperação estupenda da doença em questão, nunca antes vista, e de repente, sua cobaia falece sem nem ao menos dar explicações. Um minuto antes, nosso bom velho tinha a mente longe. Viu que a vida não passava como um filme. Na verdade, só passou uma cena em sua cabeça: uma imagem falsa do homem pisando a lua, totalmente criada por sua mente. Nada mais. Depois se lembrou de como achava que as pessoas morriam quando era criança: levantando as mãos e rodopiando e se balançando até caírem no chão mortas. Achou que seria divertido. Levantou as mãos, se contorceu todo e desistiu de viver. Parou, parou de bater. Jogou fora o resto de seu sofrimento apenas desisitindo. Finalmente seu corpo entendeu os sinais conscientes de seu cérebro.
Dom Pedro Álvares Cabral  de Alcântara Orleans e Bragança descobriu a independência do Brasil no dia 22 de setembro de 1500. Foi quando disse a seguinte frase: "se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, digo a todos que esta é terra em que se plantando, tudo dá". E às margens do rio de Santa Cruz com sua caravela encalhada (o rio não era mar - era grande, mas não era fundo) deixou-nos independente de sua sub-colônia: as Índias.
Apesar do que dizem, não era português. Espanhol de nascença, marujo de coração, fidalgo de título e rei por obrigação, sentiu a necessidade de firmar-se como Imperador do Reino Unido de Portugal e Algarves sobre um de seus três barcos de lazer (ainda depois seriam conhecidos como "iates"), Santa Maria, Pinta e Nina. Viveu no mar, morreu de mar, embora não se saiba ao certo a causa de sua morte. E também de ano incerto, já que não há nenhum remanescente da viagem (tragédia tal que as damas lusitanas fizeram o Tejo de suas lágrimas), mas provavelmente foi em algum ano entre a republicação proclamada ou reclamação da procública, não me lembro bem, e a declaração dos direitos universais - guerra sangrenta sem antecedentes (criminais).
Em sua última carta, sabendo iminente a tragédia, escreveu: "saio da vida para entrar na história. Aqui jaz um navegante que sempre teve medo de mar. Navegar não é preciso."

A professora teve de reconhecer: ele não sabia nada de história, mas merecia pelo menos um sete pela criatividade. Foi para casa feliz: era a primeira vez que tirava um sete em toda sua vida.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A Possível Existência do Nada

Sou eu o responsável
pela alta da gasolina,
do álcool e de todos
os outros combustíveis.

Sou quem quis
que o ônibus agora
fosse mais caro,
pois se movimentar é luxo.

Sou um nada, sou invisível,
eu não existo. Eu não estou
em cada um de vocês ou dos outros,
não sou nada, não existo.
Sou um velho que morreu ontem
e que vão matar amanhã.
Não sou inimigo,
já que eu nem existo.

Sou eu quem te impeço
de andar de carro novo,
de descansar num final de semana
que você trabalha para ganhar mais dinheiro
para comprar mais
para poder chegar no final de semana,
ver seu carro novo e todo seu luxo,
e, finalmente, pensar:
vou trabalhar mais
para ter um outro ainda melhor.

Não sou o governo,
nem suas vontades,
nem sua consciência.
Nem a de ninguém.
N obody's way of life.
Já disse, eu não existo.

Posso ser também
o telhado da sua casa.
Posso ser só uma telha,
mas não sou nada.

Poderia ser o grão de areia
que você pisa na praia,
mas poderia muito bem ser
o grão de areia
que arranha seus olhos
quando bate a deliciosa brisa
que te pega desprevenido.
Não sou nada, então,
sou o que quero.

Se não sou nada,
então o que é que você lê?
Talvez seja eu fruto
de sua loucura,
ou até mesmo da minha,
já que quem não acredita
em mim mesmo sou eu.

No fim de tudo,
sou realmente nada.
Sou um fruto de meus acontecimentos.
Sou nada
pois o acaso é nada.
O acaso é nada
pois é aleatório.
Você não pode existir
se pode talvez não existir.
Sou só uma série de acontecimentos:
é inútil resistir.
Mas me desapontaria
se parasse de tentar!

Passeio ao redor de nossos sentimentos

Com os subterrâneos aqui do meu lado de cabeceira fiquei pensando e deu vontade de sair andando, e eu saí e fui andar e ver as pessoas paradas na praça, as pessoas ficam ali sem nem saber por quê, mas ficam e às vezes me faz bem ver gente por ali então achei que deveria passar por lá. Hoje fiquei pensando que tipo de pessoa eu seria, fiquei pensando se eu poderia ser mais de uma pessoa dentro de mim, não uma dupla-personalidade, mas duas pessoas diferentes mesmo com vários sentimentos e idéias diferentes, e por quê não? eu pensei comigo e quis ser outra pessoa por um momento, que eu já tinha enjoado de mim e pensei que se Fernando Pessoa podia ser não dois, mas quatro, por que é que eu não poderia ser ao menos dois - um triste e um feliz? E como diria meu amigo (que não me conheceu mas acho que talvez desse certo de a gente ser um pouco amigos mesmo) que até já citei pouco atrás: "tristeza não paga conta", então resolvi ser o feliz hoje. Andei mais um pouco para ver se continuava a pensar tão longe como meus pés nunca chegariam nem que voassem mas vi que não pensava em nada mais, estava ali apenas sendo e era só o que eu podia fazer eu só podia ser. Quem não é Jack não viaja e não tem a batida e não tem o ritmo de palavras de modo que fica quase sempre difícil pensar se, ora, já pensaram por nós, aí fiquei preso nisso que tudo que eu pensava alguém já tinha pensado e que isso fazia de mim um nada e aí fui diminuindo diminuindo até ficar de um tamanho irreconhecível e ninguém ali parecia se importar com nada disso, muito menos parecia que isso ainda iria ser motivo de preocupação e diminuí mais ainda por ficar pensando em algo que agora parecia menos importante do que um escritor que não sabe escrever (que agora poderia até ser eu mesmo). Percebi que era a hora de voltar para casa que este deveria ser o eu triste querendo voltar e ainda não era a hora e quando cheguei em casa coloquei um samba da pesada, deu vontade de apagar a luz para ouvir cada das palavras que fazem a gente querer tocar violão com um monte de gente em volta a noite toda e ainda fazem a gente sentir coisas que só se pode sentir ao se ouvir um bom samba, fui me deixando ficar assim a noite inteira e vi que era isso que todo mundo procurava na rua. Pensei: tutti buona genti!

Aqui Tem Samba

Samba.
Samba de amor
e samba de dor.

Samba de protesto,
samba de esquecimento,
de escola,
samba no pé.

Samba que nos faz sentir
dentro d'alma
como que mil alfinetes
que queremos expelir
por todo o corpo.

Samba que tem cavaco,
pandeiro e violão.
Violão de cordas de aço,
e que minúsculo braço!
Samba que tem guitarra.

Samba e suas mulatas,
suas luas, suas noites infinitas,
seu tempo anacrônico,
seu tempo rápido,
latente, forte, seguro,
fortíssimo, sentido,
seu andamento, sua cadência,
sua linda cadência.

Samba de quem não dança,
que não tem o jingado,
mas que sente
cada palavra rezada
em feitio de oração,
cada tristeza,
cada vez que se mata a sede
com as lágrimas cruéis.

Ah, samba, samba.
Suas palavras são mais fortes
do que qualquer outras que podem ser ditas.
São mais do que podem ser.
Um bom samba, apenas,
e nada mais merece ser dito.
Nada mais deve não se calar.

Sambar, sambemos.
Zambá, zambé, zambí, zambó, zambú.
Bamba, que tristeza não paga conta.
Vila, Portela, Mangueira, Estácio, Salgueiro,
e todas as outras,
obrigado.
Vou com sorriso pelo caminho,
por que minha dor
já foi as lágrimas de vocês!

Afinal, quem sou eu
e quem somos nós?
A comédia hoje
não é da arte,
não tem Arlequim nem Pierrot;
em carnaval samba é privilégio.
Longe de mim esse sentimento
de que tudo de hoje é errado,
só queria mesmo era deixar um pedido
(que vejo se concretizando, felizmente):
não deixem o samba morrer!

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O que eu enxergo não me diz!

Eu queria enxergar por estes olhos,
olhos que não são meus
e que vêem muito mais do qu eu.

Olhos que não ficam na cara,
olhos que não se grudam,
que não são maiores
que nenhuma barriga.

Apenas olhos, olhos que vêem.
Olhos que assistem e entendem,
olhos que são capazes de ir além das imagens.
Olhos que enxergam e diferenciam
toda visão da observação,
olhos que não são retina,
humor vítreo, córnea ou íris.
Apenas olhos.
Eles olham. Olham tudo ao redor.

Se há arte, têm de haver os olhos,
que são da alma a janela,
segundo dizem.
Mas devem ser muito mais que isso.
Devem ser a própria alma,
que deve ser o próprio sentimento.
Isso ao limite deve ser o sublime.
E que me perdoem as religiões.
Apenas acredito mais nas minhas visões
do que em muitas dessas histórias,
visões de outros.

É com meus olhos que enxergo,
e para mim são demais,
mais do que esperaria ter
antes de vir a este mundo.

Queria que este sentimento de ajudar o mundo
que chega com as minhas vistas
não viessem tão de sopetão,
sem avisar.
Ou então que eu já tivesse alguma carta na manga
para que eu pudesse, pelo menos,
me sentir bem e fazer algo.
Mas meu umbigo é muito grande.

Espero enxergar o mundo, ainda,
com todas suas nuâncias,
todas suas facilidades e dificuldades,
e saber diferenciá-las.
Espero enxergar o mundo
não como ele de fato é,
mas sim, como as pessoas o enxergam
(ninguém pode negar ser absolutamente míope).

Espero que ainda veja eu o mundo
como ele merece ser visto,
com cada detalhe como punctum
nos saltando aos olhos
não pela sua arte ou sua beleza,
mas pela necessidade de saltar-se
aos demais elementos que,
não por mediocridade,
mas por quantidade,
são banais.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Estrela Amiga

O tolo atirou sem nenhum temor
naquele gênio, encantador
de gerações.

A pobre bala, indecisa,
consciente de sua importância,
parou.

Caiu, e deixou-o viver.
Sabia que tudo era muito mais:
a vida, as obras e até as coisas pessoais
daquele gênio.

Sabia que tantos chorariam
ao senti-lo perder seu sangue
que tanto lhes tinham trazido à tona
com notas fortes e palavras cruéis
sentimentos tão grotescos
escondidos nas cascas
de nossas hipocrisias e medos.

Sabia também
que era muito além disso,
por todo o universo algo se perderia.

A bala parou,
e a arma, ainda quente,
espalhou felicidade
embora ninguém soubesse,
jamais,
desse enorme feito.

Ele não morreu,
e eu choro sempre.
Pois sempre penso
que sempre haverá
uma réstia de corpo
em cada dessas letras,
em cada dessas histórias,
em cada desses quatro lados
que acabaram por mover o mundo.

Do Quadrado,
fez-se três.
Para então, fazer-se dois.
Depois, teremos um ponto,
depois,
todo o tempo do mundo
para refletirmos
tudo que se foi
em nossas vidas.
Em minha vida
tudo fez muita diferença.

Preocupação, preocupações

Ah, seu eu dissesse
tudo que nunca quis ter,
não sei o tamanho que seria
o rol de coisas:
pequeno ou grande, tanto faz.

Na verdade,
nunca me preocupei
com o que eu não quero.
Me preocupar
com o que quero
já é de excessiva
preocupação.

Na verdade,
não há preocupação.
Deitado na cama,
penso como será o outro dia
e penso mil coisas
que amanhã não será.
E o que eu quero
se perde dentro de um sonho
que me entrega,
deixa meus sentimentos
e desejos mais profundos
completamente nus.

E aí, neste sono pesado
é que sou mais frágil.
Se acordo,
é com o coração disparado
por que me vejo como não queria.
Penso no que será,
mas estes sonhos
são com o que já foi.

Acordo sempre com dificuldade,
talvez seja um pouco de medo
de acordar
e ver que é como se fosse no meu sonho.

Mas os sonhos sempre nos enganam.
Um velho sábio
(ó, estrela amiga,
por quê você não fez
a bala parar?)
disse:
"o sonho acabou".

Acabou.
É o dia, e é real.
Preocupe-se com o que você quer.
O resto vem naturalmente,
felizmente ou infelizmente.
Tudo vem.
Tudo vai.
Vou deixar meu orgulho
aceitar tudo isso.

Vivendo de Amanhã

Desci aquela escada
(que não sabia onde ia dar)
e cheguei no amanhã.
Vi tudo que eu faria
e fiquei com medo.
Duvido que um aqui
queria ver o amanhã.
Assim, de verdade.

Voltei, subi a escada.
Mas já era só uma escada
que levava a outro lugar
que também era amanhã.
A cor do dia era a mesma,
ora claro, ora chuva, ora cinza.
Nada mais - afinal, era só um dia.

Eu me via, e pensava em meus erros.
Eu devia fazer aquilo?
Quem pensava por mim
enquanto eu estava aqui,
um dia atrasado?
Vai saber.

Mas aí pensei bem.
Eram os erros que eu cometeria.
Alguns até cometera
enquanto assistia.
(Caí na armadilha do bandido
junto com o mocinho,
coisa que sempre acontece nos filmes).

Acordei, e era aquele mesmo dia.
Chato, pois eu já sabia de tudo.
Na hora, cometi os mesmos erros.
Nem eram tão graves assim,
apenas enganos, eu diria.
Mas eram os erros que me faziam eu.
Daí chegou ao final do dia
(que eu havia perdido ou esquecido,
sei lá)
só consegui pensar:
"o que fiz eu enquanto me observava
no amanhã? Perdi um dia da minha vida!"

Os Dias de Nossas Vidas

Qual a diferença
entre um alcoólatra
e um não alcoólatra?

Um copo de whisky
um pouco de gelo,
derretendo,
(um calor infernal),
um corpo cansado
e nenhuma história
pra contar.

Ah, vão passar aqui várias músicas
até que meu sono chegue.
Enquanto isso,
o copo diminui,
esvazia.

Mas nem me importo,
meio estóico,
me sinto bem pelo trabalho de hoje
e o que eu ouço hoje
me atinge mais que nunca
(notas inabaláveis,
supremas e penetráveis).

Ah, juro que talvez seja um conservador,
e não tenho medo de o dizer.
Não queria
(ser conservador),
mas sinto-me bem,
meio grego, meio clássico,
meio ocidental.
Mas muito pouco avant garde.
Por que também todo bom conservador
é bom conversador.

Este é do tipo chato.
Sou em quem digo
e é só o que eu sinto.
Se um dia sentires assim,
diga-me.
Conversemos.
Falaremos durante horas,
perderemos no meio
de tanto assunto,
beberemos e sairemos
cambaleando e tropeçando nas sarjetas.
E sairemos tropeçando
no dia mais feliz de nossas vidas!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Arte de Escrever

Escrever é 95 por cento transpiração e 5 por cento inspiração. Mas o que separa os bons dos gênios são os 5 por cento.

O Poeta Está Só II

I

O poeta é só quando é poeta, porque também acontece de o poeta às vezes ser gente como a gente, ter pele e ter osso, sentir fome e vontade de fazer sexo.
Quando o poeta sobressai ao homem, porém, é que as coisas acontecem. É quando as vontades que existem se tornam insuportáveis dentro do corpo, e é aí que se tenta satisfazê-las. Por que o homem sente, mas o poeta sente só. só sente. Só.
O homem sente fome; o poeta come. O homem sente saudades; o poeta chora. O homem ama; o poeta conquista o amor. O homem sente orgulho; o poeta comete crime passional. O homem pensa, mas quem escreve é o poeta.
Basta estar só para se ser poeta. Basta esquecer o resto do mundo se concentrar no homem. O homem é impotente, o poeta é imponente. A poesia é a personificação da solidão.

II

Acordou, sem saber por que, sentindo-se poeta. Sorriu, e havia sol, e havia tudo que caberia na métrica bem arranjada de uma bela poesia. Era poeta. Parecia que os sentimentos não lhe cabiam, e todos detalhes saltavam-lhe aos olhos, mágicos. Precisava compartilhar tudo aquilo com o mundo. Tantas maravilhas assim tão perto das pessoas, que imenso egoísmo seria guardar isso para si. Sentiu que, de certo modo, pertencia ao mundo, era uma de suas células. E era essa sua função: mostrar a beleza de todas as outras células. Podia falar de qualquer coisa, as palavras gostavam de esparramar-se pelos papéis cuidadosamente versificadas entre os inúmeros poemas que brotavam-lhe de onde quer que seja que estavam saindo. Sentiu intimidade com aquelas folhas e toda aquela tinta esperando elucidar o mundo com suas visões incríveis.
Perverso, o mundo não queria ser elucidado. Ninguém viu o que ele mostrara, não houve interesse, nenhuma reação que não fosse a falta dela. Ele reclusou-se na sua intimidade, reprimiu suas visões, que agora eram inúteis. Ele estava só. Ficou dividido entre a vontade de chorar e a vontade de não reagir. Talvez entrar num papel e viver eternamente como um outro poema a ser compreendido no futuro. Mas não, nada disso. Apenas foi dormir. Acordou, não era poeta. Sorriu, e havia sol, e havia tudo que caberia na métrica bem arranjada de uma bela poesia. Mas não fazia diferença. Foi tomar um copo d'água, antes mesmo de escovar os dentes (por que sentia tanta sede?). Ele agora era homem. Sabia que em outro lugar qualquer, haveria um outro qualquer bebendo água. Não estava mais só.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A Casa

Antes, o lugar era um nada.
Era uma pradaria, uma relva.

Significava nada, nada.

Até que vieram as primeiras famílias.
Passaram por perto as primeiras ruas.
Naquele lugar tão simplório
de pôr-do-sol tão lindo,
completamente bucólico,
construiu-se uma casa,
um lar.

A criança chorou
ao ter que deixar a casa.
Gostava demais dela,
as brincadeiras tão peculiares
da geometria mal arranjada
de seus cômodos;
onde mais as brincaria agora?
Em outro lugar desconhecido?

Aí vieram outras famílias.
Até moradores sozinhos.
Para alguns,
era aquela casa a vida.
Para outros, apenas um teto.

Os prédios cobriram-lhe a vista
outrora tão exuberante
do crepúsculo.
As ruas tranquilas (antigamente)
enervaram-se, expulsaram
as brincadeiras tão inocentes
das crianças.

A casa continuava lá.
Algumas pequenas mudanças,
mas o que mudava mais
eram seus moradores.
Cada um sentia um apego diferente.
Era o aconchego,
ou então era a falta de espaço
para entulhos desnecessários,
ou até mesmo o rangido da porta do quarto,
indiscreto na manutenção da privacidade - em tudo
se pode apegar...

Mas ninguém pensava
que antes dos prédios,
era só uma casa simples,
uma ilha cercada de ruas tranquilas.
Antes, havia o pôr-do-sol.
Antes, nem casa havia.

Era uma relva, uma pradaria.
Onde homens já cruzaram
em busca da caça do dia,
sem empregos, sem contratos, sem papel,
sem democracia, sem nada.
Homens e mulheres nus.
Naquele pedaço de terra,
minúsculo,
já tantos sentimentos foram provocados...


 A mudança é só um ponto de partida
para que outros cheguem renovando os ares,
com móveis e perspectivas novas,
novos sentimentos - tudo passageiro.

A casa, pode não continuar lá.
Mas aquele pôr-do-sol (mesmo escondido)
ainda fica em algum lugar por ali,
aquela terra ali por debaixo,
que sustenta tudo acima de si,
continuará ali a ver tudo que acontece.
Por um tempo tão grande
que pode até ser chamado
de eternidade.
Mesmo que um dia acabe.

sábado, 9 de janeiro de 2010

O Poeta Está Só

O poeta é só quando é poeta
porque também acontece
de o poeta às vezes
ser gente como a gente,
ter pele e ter osso,
sentir fome e vontade de fazer sexo.

Quando o poeta sobressai ao homem,
porém,
é que as coisas acontecem.
É quando as vontades que existem
se tornam insuportáveis
dentro do corpo,
e é aí que se tenta satisfazê-las.
Por que o homem sente,
mas o poeta sente só.
só sente.
Só.

O homem sente fome;
o poeta come.
O homem sente saudades;
o poeta chora.
O homem ama;
o poeta conquista o amor.
O homem sente orgulho;
o poeta comete crime passional.

O homem pensa,
mas quem escreve
é o poeta.

Basta estar só
para se ser poeta.
Basta esquecer o resto do mundo
se concentrar no homem.
O homem é impotente,
o poeta é imponente.

A poesia
é a personificação da solidão.

Alívio

A felicidade que vem
após a depressão:
sublime.

Não sei se foi a mudança,
se foi minha cabeça
curando a si própria,
ou se foi alguma sensação
(talvez errônea)
de um dever cumprido,
mas aqui me vejo recuperando-me.

Hoje vejo que cometi erros,
mas não vejo por que
deveria ficar assim tão mal por eles:
são passado.
I did it my way.

Se me serve de consolo,
tudo foi por medo de magoar
alguém.
Aí me esquivo,
tento ser esguio,
mesmo sabendo de tal sordidez.

Me dói dizer um não,
e não digo
até que seja inevitável.
Mas isto desconstrói.
Me tira o crédito.
Não faço por mal,
mas acabo fazendo mal.

Ah, vou melhorar,
eu sei que vou.
Tenho objetivos,
e serei melhor.
É disso que eu preciso:
foco no que eu quero.

E é exatamente esta
a fase que me encontro:
buscando meu foco.
Já me sinto perto,
já me sinto achando o que quero.

Quero meus amigos e família
sempre perto de mim,
quero que meu tempo de solteiro
não deixe de apagar
o romântico que ainda sinto existir.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Tempo em Trocos

Quantas semanas serão
os dias que as possuem,
dentro deste antro de anos
que guardam em si
décadas obscuras de séculos
que separam os milênios
das profundezas de todos
os sentimentos?

Fim.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Gelo

Ah, eu nunca imaginei que fosse assim.
Deste peito só se morre
de algum maligno tumor
a contaminar a pureza deste corpo.

Decidi que meu refúgio
seria minha frieza,
apesar de sentir por vezes
falta de meu calor.

O que sinto hoje
é como a morte lenta
de alguém que não me importo:
sofro por ver este sofrimento,
mas não me dói esta perda.

Devia estar mais que na hora
de eu me lembrar onde foi
que eu já senti me redescobrir
pois sei que tudo que congela
perde inevitavelmente seu sabor
(menos a insossa água).

Nada vai voltar como antes,
e tampouco este é meu desejo,
mas já me perdi no meio de algum caminho,
nem lembro mais onde quero chegar.
Eu não sei mais o que procuro encontrar
(não mais encontro o que procurar),
só sei que posso não estar andando em círculos,
mas ainda não chego a lugar algum.

São microgramas que desbalanceiam
uma balança tão pouco precisa,
nada é muito claro.
Sim, meu sangue ainda é quente,
minhas veias ainda são alimentadas
pelo pulsar (quase) constante
deste coração que bate.

Mas até já imagino
o sangue com violência
me querendo ferir as artérias,
me envermelhar todo,
vazar pelos olhos
onde outrora vazavam lágrimas.

O ano mal começou
e já fico assim a pensar
pensamentos que deveriam nascer
em algum dia do final de ano.