domingo, 30 de agosto de 2009

Objetos Comuns

Talvez seja tudo
como um sapato sujo.
Fica todo encardido,
levando um pouco de terra
de todo lugar em que passa.
E pisa.
E também deixa marca.
Deixa a digital, a impressão
em 3D.

Ou talvez seja um esparadrapo
também encardido
de sangue
tirado de alguma boa história
a ser contada meses depois.
Seja trágica, cômica,
ou até mesmo cônica,
levando àquele inevitável ponto
onde todos são convidados
à mais profunda reflexão.

Pode, ainda,
ser uma garrafa de cerveja.
Com uma leve embriaguez,
e uma marca de alguma boca
que carregava um bom beijo,
uma rara fuga da lucidez,
uma parcela de boemia
e um bocado de risos
e de vidas compartilhadas.

E por que não um par de roupas,
tiradas tantas vezes
em momentos de intimidade,
vestidas cuidadosamente
para a atração fatal,
a fêmea fatal,
os amores de nossas vidas?

Ou então um travesseiro,
todo babado de noites bem dormidas,
todo remexido de noites mal dormidas,
todo arremessado
de noites estressantes,
todo arremessado
de noites alucinantes...

Pode ser
a música de fundo
que faz a vida parecer um filme
às vezes bem hollywoodiano,
às vezes um tanto francês,
neo-realista,
mudo e em preto-e-branco.

É um pouco disto tudo,
talvez,
a vida.
O tênis suja, gasta, descola.
A garrafa acaba,
fica jogada num canto,
esperando ser quebrada,
a roupa mancha,
o travesseiro amolece,
o mocinho vence o bandido.

E passa.

Tudo.

Mas nem por isso
deixarei de tomar cerveja
(e farei antes que ela esquente),
ou ver filme,
ou usufruir de tudo que já disse.
Um dedo quebrado é mais uma história,
uma dor
que também passa.
E se o dedo ficar torto?
Não me lembrarei da dor,
mas sempre que o vir,
lembrarei de algo,
é como uma gravação permanente.
É só a vida
com toda a vontade de viver.

domingo, 23 de agosto de 2009

Frases do cinema

Godard também merece seu espaço. A frase faz mais sentido assistindo-se ao filme, muito bom, por sinal.

"-Je ne sui pas infâme, je sui une femme", traduzida por: "Eu não sou infame, sou uma fêmea". Em francês têm quase a mesma pronúncia. O filme vale a pena também pela linda Ana Karina, uma das musas de Godard.

That's all, folks!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Mentiras

O estranho é que já tive vontade
de escrever coisas
que nada têm a ver comigo.
E até escrevo.
Talvez seja a sequência
das palavras
que me fascinam.

Tolos os que por vezes
acham que me decifram
por tantas tolices (ou não)
que digo por aí,
em textos e poemas
tão vazios,
cheios de coisas bonitas,
infundadas.

Não que eu não seja nada do que escrevo
(nem sei o que Freud diria disto),
e nem que eu seja mentiroso.
As palavras saem,
minhas mãos coçam;
eu as escrevo.

Depois vejo se dizem algo.
Será que estas dizem?

Mas também,
que me importam
os julgamentos alheios?
(ou o que deveriam me importar?)
Tudo que sou é o que faço,
o que sinto,
o que levo para mim.
Não sou o que digo,
tampouco sou o que pensam,
tampouco vos engano,
só não sou tão simples assim.

Posso ser às vezes,
mas não sou sempre.
Previsível,
mas posso surpreender.
Não sou o que o papel diz,
mas não sou mais
do que ele diz.
Pois aqui, sou a melhor das pessoas.
Sou o que sente,
o que ama,
o que vive,
o que se embriaga,
o culto, que vê filmes,
lê histórias incríveis,
romances, novelas,
contos, dramas...

Mas, no fundo,
talvez eu não passe
de um jovem garoto do interior
que se deslumbrou
com o tanto de mundo
que ficou guardado
abaixo do céu!

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Caixinha de Surpresas

Eu estava ali sentado, naquele ônibus (que por acaso estava atrasado), e toda aquela chuva a deixar o dia cinza continuava a contaminar a clareza das nuvens brancas e o céu todo azul acima delas. Dei sorte, havia um lugar para eu me sentar. Daqueles que é de uma poltrona só, ninguém se sentaria do meu lado. Eu só queria escutar música, curtir a melancolia deste dia. Escoro na janela, sentindo o vento gelado (eu estava sem blusa de frio) penetrando por todas as frestas. Dou um olhar rápido como quem não quer nada, e vejo algo que me agrada. Pensando bem, até me tirou a amargura daquele dia. Até que os dias cinzas também podem ser bonitos...
Ela tinha cabelos curtos, louros, mas não de um tom cansativo, e sim uma profusão de louros, uns mais claros, outros menos claros, nada muito chamativo. Pareciam discrição. Mas logo percebi também as curvas. Fui descendo o olhar dos cabelos, e vi uma nuca que ensaiava um aparecimento, mas bem discreto. Parecia também bem macia, e que se arrepiaria toda ao mais leve toque. E tinha também aqueles ombros delicados, sem nenhum excesso, cobertos por uma blusa preta, ou camiseta - só me lembro de ser preta, e tampouco sei diferenciá-las. Um pouco mais abaixo, possuía uma vista agradável. Aprazível, eu diria. Tudo muito bem coberto por calças xadrez de tonalidade cinza, e ainda mais abaixo, um All Star branco.
Sabia que era isso que eu queria, afinal. Eu sabia que se eu cantasse para ela "try to set the night on fire", ela revidaria alto e bom tom com um "come on baby light my fire", e tudo afinal acabaria com "lingers long on love street". Ah, seria felicidade. Uma beldade como aquela com uma cabeça muito acima do próprio umbigo, e o nariz apontando para frente, e não para cima. Alternativo, mas sem ser demais. Só não precisa ser exagerado, sei lá. Precisa ter algo diferente, mas sem ser contra tudo, sem radicalismos. Parecia tudo tão perfeito...
Até que ela se virou. As mulheres que me perdoem por ser tão superficial, mas acabaram-se todos meus planos. Era tudo tão perfeito, por que não poderia ser bonita? Não fazia meu tipo, tinha cara de carrancuda e de poucos amigos. Parecia ser bem alternativa. Do tipo excessivo. De poucos amigos, e intolerante com idéias diferentes. Não tinha bons olhos para as coisas, talvez algo a fizesse odiar o mundo todo. Ou talvez seja meu preconceito - que tento me livrar fortemente. Mas não me agradou. Me levantei, desci um ponto antes (que diferença faria andar uns 30 metros a mais?) e fui andando. O que mais poderia esperar eu de uma chuva tão feia?

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Pac-Man


Genial a sacada, não? Pensarei 2 vezes agora antes de jogar Atari novamente!
Ou talvez eu pudesse reescrever com a seguinte pontuação:
"Genial a sacada! Não pensarei 2 vezes agora antes de jogar Atari novamente!"

domingo, 16 de agosto de 2009

Vívido

Minhas mãos escondem
o punhal que há de me trair,
e minha cabeça guarda
a cicuta que há de
me roubar a vida.

Bebo o álcool
da redenção embriagada
ébria
e sombria.

E aí vejo meu algoz,
trazendo o meu humilhante julgamento,
perverso e cuidadosamente
prescrito por mãos ferozes,
sedentas pelo meu sangue.

E o que é tudo isso,
que me assusta,
e me faz corar,
me faz tremer,
me enfraquece as pernas,
me leva para além
da além-vida?

Esta é talvez a resposta
que venho procurando,
e que no fim,
nunca vou acabar encontrando.
Os nossos medos mais profundos
sempre serão ocultos,
talvez para que não tenhamos
coragem de enfrentar o mundo todo,
ou tudo no mundo.
Enfim, tenho esta busca eterna
que talvez me mova,
me faça acordar
e me faça ter vontade de viver mais um dia.
A cada dia, um vontade que se renova.

Sei que são estes desejos
insaciáveis que são minha ligação
com o infinito,
com a noite
e o céu completamente estrelado,
que deixa tudo escrito,
mas que nos deixa analfabetos.
Lindo, e misterioso,
como todos os medos em mim
guardados.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Camapanha anti-twitter

Totalmente de acordo com meu companheiro de devaneios, de escritas e também de histórias, aderi à campanha. E com todo meu sentimento, além ainda disto, com todo meu consentimento. Ou talvez um co-sentimento. Se é que essa palavra existe. Um pouco de embriaguez e já não sabemos se o que escrevemos é certo. Enfim, quando eu tiver algo realmente relevante a escrever contra, escreverei. Por enquanto, só estou me posicionando. É como uma eleição. Só tenho uma coisa a dizer:
Anti-twitter - 1 seguidor!

Troféu Bexiga de Ouro

Está dada a largada. Quem tiver o mais branco ganha. Eu 1 x 0 Borysbutt. Borysbutt é o cara que escreveu essa genialidade à la Maurício Campos - e estou totalmente de acordo. http://transpiratorio.blogspot.com/2009/07/campanha-anti-twitter-i.html (alguém além dele lê esse blog? Pra quê o link, então ô anta?) Nome do prêmio dado pelo nosso querido Marcelo Lauria, o Marcelinho Perdigão.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Jogos Internautas

O mundo on-line é mesmo interessante. Nenhum vidente jamais teria visto nada assim nem na mais cara bola de cristal vinda da galáxia de Andrômeda. É tudo muito dinâmico, se está em vários lugares ao mesmo tempo, blá, blá, blá...
Mas tem certas bizarrices. Por exemplo: você e seu orkut - e neste "você" eu estou incluso. As fotos no profile sorrindo, tudo muito sociável. Um amigo muda de cidade, vai para longe, resolve-se (vamos colocar agora um sujeito indeterminado, para evitar problemas) mandar um depoimento para ele. "Estou com saudades, vou sentir sua falta"; alguns apelam demais: "não sei o que farei sem você, minha vida dependia de você", mas isso não vem ao caso. Manda-se um depoimento com todo aquele tom de saudade, mas ainda estamos com aquela foto toda sorridente. Trata-se de uma hipocrisia virtual. Continuo sempre mantendo essa pose sorridente, mesmo nos piores dias - e isso faz de algo que se tornou tão cotidiano, algo impessoal. Não nos transparecemos, a não ser que o queiramos.
Sei lá, só achei estranho ler depoimentos dizendo que sente a falta e olhar a foto da pessoa, sem um pingo de preocupação. Mas como isso seria contornado? Tenho até medo do dia em que a internet possa mostrar nossos rostos da maneira como são a cada momento, sem que tenha que ter uma webcam nos filmando. Pois mesmo na webcam, se falamos com um amigo que está distante e ao mesmo tempo com uma namorada, por exemplo, mostraremos a mesma cara aos dois. E acho que na prática não seria bem assim.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Cor do Objeto

Eu poderia começar este texto de várias maneiras. A primeira e mais convencional é expondo uma idéia ou algum personagem logo de cara, explicando o que será a história, desenvolvendo-a e dando um fim a ela. É antigo, mas funciona. Seria assim:
"Ainda bem que peido não tem cor. Imaginem só, como seria? Nossa privacidade a todo momento de flato invadida." Daí eu falaria de como tudo seria injusto, mas em certo momento questionaria se é tudo aquilo que eu teria falado, e, no entanto, ao final, eu teria concordado com a minha idéia inicial.
Bom, eu poderia ainda começar de um outro jeito. Poderia ser um diálogo, e os personagens nem precisariam ser os convencionais. Poderia ser, por exemplo, duas nádegas conversando:
"-Eu vi isso, hein!
-O quê?
-Não sabia? Foi decretado que peido agora tem cor!
-Sério? Me fodi!
-Rá! Trouxa! Joguei verde, colhi maduro!"
E também me basearia na mesma idéia: a cor do peido.
Mas também poderia ter escrito um poema. Mas não falaria do peido logo no início. Primeiro eu reclamaria de algo. Da sociedade, por exemplo. Falaria de consumos, insumos, da mesmice, do niilismo, e no final, para amenizar, agradeceria a incoloridade do peido, faria um agradecimento solene à Natureza, ao(s) Ser(es) Supremo(s) e ao Acaso, cobrindo assim toda a gama de crenças.
Mas não é o início que torna um texto grande, um texto bom, um texto interessante - nem de longe tenho com este tal pretensão - e sim, o final. Pode ser um final feliz convencional. "Como o mundo é belo; apesar de todos os problemas, sou feliz - peido não tem cor". Pode ser um final filosófico, deixando no ar alguma questão relacionada ao tema: "não seríamos melhores? Talvez não precisássemos termos vergonha de nossos flatos, sendo estes, assim, coloridos, de domínio público?" E ainda questionaria a represália com relação aos nossos desejos naturais. Ou então - hoje em dia virou moda - o tal do non-sense. Eu diria: "Se peido fosse colorido e água tivesse cheiro, peidar n'água seria arma química!" Eu sei que ficou horrível, mas não tenho muito tino para non-sense.

Abriu a porta do banheiro, depois de 15 minutos de devaneios, estava a namorada à espera no hall, para acompanhá-lo à sala de jantar, onde o esperavam o sogro e a sogra, para serem apresentados. Maldita hora que tinha aquela vontade incontrolável de ir ao banheiro (número 2, para ser sutil). Tinha jogado o purificador de ar (famoso "bom-ar"), lavado as mãos, tudo cheiroso, nenhum rastro da "obra" - a não ser os 15 minutos de reflexão. Respirou aliviado e pensou: "ainda bem que peido não tem cor!"

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Questão

Por que todo diretor de cinema italiano (tudo bem, não é todo, mas assim faz mais sentido!) tem de ter iniciais duplas?
-Federico Fellini;
-Bernardo Bertolucci;
-Roberto Rossellini!

Estranha coincidência, não?