sábado, 31 de maio de 2008

Confissão

Ó Deus,
perdoe, acima de tudo, o meu egoísmo.
Mas como voltar meus olhos para minha realidade, ou para os outros,
se tenho meus olhos faltando?
Se os sentimentos que me afligem não estão à minha volta,
mas cruel e ardilmente infiltrados
em meu ego, a expulsá-lo para fora de mim?

Trago em meu rosto inquietas lágrimas,
água dura esculpida da pedra mole do meu íntimo,
e que carregam consigo todo um sofrimento,
uma saudade prévia,
como uma nostalgia de algo iminente,
que me faz vomitar um milhão de palavras sórdidas.

Ainda que o arbitrário destino
tenha seguido minhas ordens à risca,
bateu em mim como uma onda,
de água bem salgada, da mesma lágrima que corria em meu rosto,
carregada de sentimento, me lembrando de algo maior que o
próprio destino: o Tempo.

Não há mais tempo
para meus amigos,
só para as obrigações.

Não quero ir embora.
Sim, quero ir embora.
Amigos; profissão.

Me sinto agora numa casa vazia,
onde passei minha infância,
onde o calor me acolheu,
mas agora, as folhas cobrem o assoalho.
Abandono.
Frio.

Amo o futuro e o presente,
mas não a memória, e
por isso sofro tanto.
Mas eu quem escolhi.
Mudar, abandonar.
Não terei mais o futuro como o presente.
Terei um novo futuro.

Que me perdoem meus amigos e família também o meu egoísmo,
mas acima de vós, penso em mim,
e sei o quanto detesto isto,
mas me é natural. Inevitável.
Que não me entendam mal, não vos abandonarei.
Ainda assim, a distância dói.
Dói pensar que sou assim.
Dói crer que nunca saberão o quanto vos sou grato.
Dói lembrar que desperdicei tanto tempo contemplando o nada,
niilista.
Ainda assim, há algo que me consola
e compensa em muito todas as dores:
São e serão meus amigos, ainda que não o saibam
ou não se lembrem.
"O apreço não tem preço".

Escrita em 03/01/2007, em Goiânia

sexta-feira, 16 de maio de 2008

notícias reais

Todas as notícias ruins
saltaram dos jornais.
Todas as estatísticas,
os números maus
saíram da casualidade fatal
da displicência humana
para se aproximarem de mim.

A todos meus amigos que sofreram,
seu sofrimento também me comove,
também sofro, não por piedade,
mas um sofrimento sincero
de partilha.

Ao mesmo tempo
me lembra o quão próximo
são os problemas.
Não os corriqueiros, mas os sérios.
Os sérios, que normalmente andam distraídos,
sem notar nossa presença,
e que podem acabar nos achando
nesse esconderijo do qual
a todo momento ficamos sem cobertura.

Podemos a todo momento nos expor
com ou contra nossa vontade,
mas brincamos muito além dos limites,
nos refugiamos na probabilidade ínfima da sorte,
que se não fosse ínfima, não se chamaria "sorte".

Ver sofrimento ao meu lado
me lembra de como é triste sofrer
e como é bom ser ajudado,
ouvido.
Ouçam, amigos:
sempre estarei com vocês.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pequeno Soneto Noturno

Espero que me escutes,
minhas palavras doces,
minhas carícias verbais,
a sexualidade limpa do meu dizer.

Quero apenas dizer
o que queres ouvir,
mesmo que para isso
eu não precise dizer nada.

Quero que leias as palavras mudas dos meus lábios;
quero que leias meus lábios...
...em braile.

Quero nós dois,
surdos e cegos,
onde haja só o cheirar, tocar, sentir.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Nós, filhos ingratos

Somos mesmo filhos ingratos. Todos nós. Todo ser-humano, via de regra, demonstra, várias vezes na vida o quanto se é um filho ingrato. Os pais sofrem durante meses para cuidar de nós quando ainda nem conseguimos comer direito, nem abrir os olhos. Já nos amam mesmo antes de nascermos. E nos amam independente do que fizermos, por mais decepcionados ou nervosos que estejam conosco. E continuam nos amando quando maiores, e mesmo que tenhamos 90 anos e eles 120, se preocuparão a cada vez que sairmos do alcance de suas vistas ou de suas mãos.

Nós, os filhos, os amamos, sem dúvida. Mas não da mesma maneira. Não que amemos pouco ou insuficientemente, mas um amor mais instável. Nossos pais sempre pensam na gente. Nós, não. Às vezes, até queremos esquecê-los. Depois, nos arrependemos amargamente de ter desejado isso. Nós não pensamos neles quando brigamos na escola, ou quando tomamos o primeiro porre, ou quando começamos a namorar, ou quando batemos o carro. Só pensamos depois que tudo isso acontece. Negligenciamos muito a quem mais nos deu. E isso faz de todos nós, filhos ingratos.

Dizem que só se aprende a ser filho quando se é pai, e só se aprende a ser pai quando se é avô. Mas ainda me intriga: conseguimos, de verdade, aprender essas coisas? Erramos muito tentando ser o pai perfeito ou o filho perfeito. Acabamos sofrendo muito com isso. Somos dotados da capacidade de errar e aprender, e isso nos tira a capacidade de não errar. Isso não nos torna mais fracos. Isso nos torna vulneráveis, suscetíveis ao erro, mas aprender nos torna forte. Muitos pais não percebem o quanto um filho é diferente do outro, e trata-os igualmente. Ledo engano. Quem é igual a quem para receber o mesmo tratamento? Se assim fosse, com certeza teríamos um guia prático: como criar seu filho em 10 lições. Se existe, não funciona. Não que eu seja pai, mas desse ponto eu entendo, pois sou filho, e me acho diferente dos meus irmãos.

Tentemos fazer a primeira geração de pais que entendem os filhos e de filhos que entendem os pais. Já temos diferentes religiões que se entendem, temos diferentes culturas que se entendem, mas precisamos de pais e filhos que se entendam. Invalidar as brigas de gerações que sempre existiu. Especialmente por parte dos filhos. Afinal de contas, teremos filhos, que terão filhos, que terão filhos e que terão filhos. E que terão filhos. O que fica, é o amor.


PS: Escrito em 23/04/08

sábado, 10 de maio de 2008

Devaneios de um árcade perdido no século XXI

E quando nos esquecemos do mundo?
de todas suas preocupações,
de todos seus erros,
vivemos um belo dia de sol
com todo esse orvalho nessa relva
dourada pelo sol das 5.

Nos entregamos ao som, à luz
aos veludosos sentimentos táteis
e aos olores,
simplesmente.
Vivemos só do que nos apraz
e perdemos várias horas massageando nosso Id.

Temos aí um mundo belo,
e amamos tudo,
amamos o amor,
e nos conformamos com o que temos
e agradecemos pelo que somos.
Percebemos que o tempo corre.
O tempo voa.
Voa desajeitado como um albatroz
e faz-nos ir ao limite de cada experiência
Regozijar-nos com o bucolismo
e a simplicidade de tudo.

Esse é o primeiro mundo,
não dos países,
mas das descobertas da infância.
Da primeira experiência da vida.
É o mundo que sempre fazemos questão
de nos lembrarmos que ele existe.

domingo, 4 de maio de 2008

A vida em verbos

Nascer.
Olhar, conhecer, reconhecer.
Andar, sorrir, falar.
Equilibrar.
Correr.
Brincar. Aprender.
Crescer.

Brincar, brincar.
Aprender, aprender.
Descobrir, pentelhar,
brincar, aprender,
brincar.
Crescer.

Pentelhar, pentelhar,
aprender, viver,
conviver,
lembrar.
Brincar, cansar,
querer, desejar.
Crescer.

Fazer, viver, emancipar.
aprender, experimentar,
acelerar.
Lembrar.
Estudar, aprender
Viver, viver, viver, sair.
Namorar, "pegar", ficar.
Amar.
Beber.
Experimentar, desiludir.
Envergonhar-se.
Crescer.

Cansar, casar.
Beber, comer.
Beber.
Engordar
Reclamar, acomodar.
Trabalhar.
Lembrar.
Lembrar.
Envelhecer.

Enriquecer, endurecer.
Beber, viajar.
Voar, enriquecer,
engordar, engordar,
trabalhar, trabalhar, trabalhar.
Reclamar, reclamar.
Lembrar, lembrar, lembrar.
Esquecer.
Envelhecer.

Aposentar.
Aconselhar, gastar.
Ouvir, falar, sentar, deitar.
Reclamar, reclamar, reclamar.
Sentir.
Lembrar, lembrar, lembrar, lembrar, lembrar.
Esquecer, esquecer, esquecer.
Adoecer.

Esquecer.
Morrer.

Aviões

Ah! como estava belo o céu.
Dia frio e com muitas estrelas,
estas, presas no escuro Éter.

Foi quando vi aquele solitário avião,
como uma estrela que se desprendeu do Éter
e que buscava em vão a gravidade
e quedar-se, cadente.
(não que o avião queria cair)

Viajava só, com suas luzes,
implorando ser visto.
Era visível que aquele
era um avião triste.
Ninguém dentro dele queria viajar ali.
Era um avião apenas de partida
e ninguém festejaria quando aterrizasse;
ninguém o esperava ansiosamente.

Sumiu por detrás de uma árvore,
escondendo a tristeza que carregava
mas carregou de sombras por onde passou.
Devastou.
Deixou em pedaços os meus sentimentos;
deixou-me com frio.
Deixou em pedaços todos meus sentimentos
e deixou a tristeza e a saudade.

Amanhã, com um pouco de sorte,
vejo o avião rosa e grená
que traz os sentimentos de volta,
volta com a gente,
nos leva para casa,
para onde a luz nos traz o amor
e o amor nos traz aonde preferimos apagar as luzes.

Do verbo Amar

Essa inexperiência que me incomoda:
amor, como conhecê-lo?
Nunca amei: como sabê-lo?
O que será o amor?

Vontade insaciável de fazê-lo?
Amor.
Amar, no pior dos sentidos? Sujo?
Amar o sexo, sexo com amor? Limpo?

Vontade de compartilhar?
Dividir? Apossar?
Ciúmes?
Ciúmes.
Desejar uma vida presa,
fazer do cônjuge uma presa;
estar-se preso por vontade.
Fazer com que o outro se prenda.
Prender os olhos nos olhos da presa.
Uma frase no espelho.

Viver em cada vão momento,
sempre e intensamente?
Mas qual a diferença entre viver e amar?
Amar a vida.
Amar a outro.
Fazer, amar, viver.
Fazer amor; viver.

Viver o belo,
ao lado de uma bela,
à luz de velas,
preso na cela
que faz-nos querer ser criminosos ou cúmplices
desejarmos a prisão, perpétua.
Eterna.
Pena capital;
pecado capital.

Amor: como sabê-lo?