quarta-feira, 27 de abril de 2011

A morte e a morte

Acordou e sentiu o dia normal.
Olhou pela janela, viu os carros,
sentiu que o sol estava mais forte
do que costumeiramente, ainda que frio.
E no fim das contas, por que mesmo tinha que levantar?

Para ver acontecer,
para ouvir motores a combustão,
para movimentar as pernas,
tornar útil o esquecido nariz (talvez entupido),
chorar de saudade da terra-mãe que nascera,
crescera, amara, vivera e acabara por mudar-se.

Mudou de casa,
mudou de ambiente, mudou de cidade.
Não mudou de nome. Faltou coragem, talvez.
Mas era preciso?
Mudou seus hábitos
e se esqueceu dos antigos.

Lavou a alma nas cachoeiras em Pirenópolis.
Várias vezes.
E mesmo que lhe doessem os ossos,
sabia nunca se arrepender do frio das águas guiadas pelas rochas.

Compôs músicas medíocres
e nunca soube de escalas,
nem lia partitura.

Mas ia vivendo, vivia como se tivesse
inventado o mundo.
Embora gostasse de companhia,
seu próprio mundo lhe era suficiente.
Até o dia em que morreu.
Levantou-se, então, olhou tudo que tinha feito.
Trabalhos comunitários, estudos, pé-de-meia,
esteve em paz consigo mesmo.

Não aguentou, chamou o velho corpo de volta,
já carcomido e zumbizado,
vermes gordos e bem alimentados.
Tomou um banho, reanimou-se.
Queria mesmo era morrer no mar,
e foi. Pulou no meio da tempestade,
de uma jangada de não mais que 15 pés.
O mar era bravo, impetuoso.
Quem sabe se morresse ali
não renasceria peixe, tubarão
ou qualquer coisa 
que fosse capaz de seguir instintos,
nada mais.

O homem fez extintos seus instintos.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Muito prazer, Danilo!

É engraçado de repente querer escrever e tudo formigar. E minha idéia, diabo, por onde anda? Tá por aí, cata-se pelo chão e que se foda. Já faz tempo que quero dizer isto, e mais para mim mesmo. Que se foda, porra. Eu, cheio de achismos, cheio de querismos, cheio de pensismos, tudo pra puta-que-o-pariu. Quero agradecer meus amigos pela paciência. Quero dizer que o futuro que venha, que nem me preocupo mais. Quero contar alguma idéia besta que tive a respeito de um livro de um autor que nem mais consegue controlar seus próprios personagens. Pensa só, torna-se um refém do que sua mente criou. Quero informar que me cansei de querer dizer coisas que acho bonitas. E por que não dar um tempo em tudo isto mesmo? O grosso de tudo que deveria ser dito já foi dito, e não vou ser eu o revolucionário nas palavras. Não vou romper idéias, escolas, técnicas, nada. Vou dizer o que um peito dolorido berra em voz tão baixa que mesmo eu corro risco de nem me ouvir. Mas está aí, quem sabe serve de algo, no fim das contas?
Quero é aproveitar mais a vida, cada nuância, cada tudo que tudo contém, diferenciar tudo e me atentar a tudo, ouvir tudo, acabar com meu preconceito, ser inconsequente e me recompor, preciso disto, é como oxigênio, é como a comida que como, é como lugares que conheço e saio com a nítida impressão que jamais terei a mesma sensação novamente. Tudo tem que ser novo, por mais velho que seja. Minha retina deve se desacostumar com o costume de ignorar tudo. Meus ouvidos têm de reconhecer os tons e semitons tristes e alegres e as palavras de todos, do mundo, até mesmo de comerciais babacas de TV. Minhas mãos, quem sabe, cumprirão seu destino de me complementarem o que digo e o que sinto, serão mais sinceras que minhas palavras, mais sensíveis do que música de amor do Chico.
E para não perder o tom do início, pra puta-que-o-pariu essa vontade de ser o que não tenho vontade. Não posso ser também outro, eu sou eu e um dia, com sorte, paro de me comparar. Pro diabo se não sou tudo o que quis, se não me esforcei pra ser nada, se nunca passei de uma farsa. Sou o que sou agora, não mais que isso. Não me cobrem mais, nem eu hei de fazê-lo (assim espero). Um grito, um desabafo, era isto, em verdade. Chega de prosa em poesia e poesia em prosa. Minha prosa é aqui, direta. É prosa. Poesia é poesia. Pelo menos assim é assim que eu consigo escrever.

sábado, 2 de abril de 2011

Escambo

A fim de que a vida fosse algo a mais
vendi minha casa a troco de bebida,
vendi minha bebida a preço dos olhos,
troquei meus olhos
por feridas superficiais,
comprei com tal sofrimento
um sobrado velho
no centro abandonado
de uma cidade fantasma,
onde espero conseguir
em algum lugar algum whisky abandonado
para trocar pelo que perdi
quando ganhei de novo
meus velhos olhos (agora secos e cegos)
que ocupam o vazio
onde deixei que me levassem
aqueles íntimos segredos
como amores de infância
para o cemitério
onde vão as melhores lembranças.

E por fim, ainda me roubaram
as verdades escondidas nas mentiras
que disse para comprar dos outros
as almas, e trocá-las por nada mais
do que algumas palavras bonitas.