terça-feira, 18 de março de 2008

O Velho Damião

Era velho. Era velho e rabugento. Ainda por cima se chamava Damião. Era o Senhor Dos Tempos naquele lugar. Dividia e distribuía a esmo todo o tempo ao resto das pessoas. Ninguém conhecia ou podia ver Damião. O Velho Damião. Sempre enfurnado na sua quase tediosa tarefa de dar tempo aos outros. Às vezes, dava muito tempo, outras, quase nada. Já que se entediava o dia inteiro com seu trabalho, garantia que as pessoas não sairiam satisfeitas com o seu trabalho.
Fazia questão de dar muito pouco tempo a quem estava muito ocupado. Ou muito feliz. Odiava a felicidade das pessoas. Se não tinha a sua, tomava a dos outros. Quando o mundo parecia se voltar contra alguém, ofertava uma infinitude de tempo para esse. Não deixava tempo para que as pessoas pudessem distrair-se. Um piscar de olhos poderiam durar minutos sem que ninguém percebesse. O tempo realmente voa.
Olhava duas crianças brincando e tomava-lhes o tempo, a infância; tomava a decência, a inocência. Em troca, guardava um futuro de responsabilidades e estresse e lho dava a elas. Não tinha mais infância, então por que outros haveriam de tê-la? Seu coração era intocável; suas veias, duras, secas e cruéis.
Velho Damião. Judiava dos outros velhos. Quem mandou querer envenlhecer? Agora, sofram, nessa eternidade entre a meia-vida e a morte. Moribundos! Hão de sentir todo o peso de todo o tempo que tiveram, e o Velho Damião ainda haveria de dar mais tempo, tempo de sofrimento, tempo de ver um mundo diferente, tempo de deixar nostalgia, em que é impossível se adaptar ao novo quotidiano; aos tempos novos.
Ele, porém, era quem mais sofria. Era, pois, velho, rabugento, invisível. Não que isso justifique suas atitudes. Gostava de não ser gostado. Gostava por que não sabia como seria ser gostado. Gastara todo seu tempo dando tempo aos outros, mas nunca soube dar um tempo. Um tempo merecido. Um tempo aos amores, ao ócio, à criatividade. Principalmente ao pôr-do-Sol. O amargo solitarismo deixava Velho Damião subjugado pelo pleno totalitarismo do ódio, da amargura, longe do samba e do Sol.

Um comentário:

Unknown disse...

Você falou de uma coisa que eu já tinha na cabeça impressionantemente bem. bravo!