sábado, 9 de agosto de 2008

Brado retumbante

Um dia qualquer, não mais importante que o dia de hoje, acordei. Não tinha água, não tinha luz. Nenhum passarinho. Nada. Fui trabalhar, trânsito. O dia agourento rapidamente me tirou o que havia de tranquilidade. O céu vermelho do crepúsculo no outono trouxe à tona o ódio de tudo que eu tinha, um ódia também escarlate.
Uma lágrima escorreu pelas minhas bochechas. Caiu na minha mão, que coçou. Foi o estopim: gritei, esbravejei, clamei, xinguei, maldisse, bradei, praguejei, berrei, vociferei um som tão comprido, alto e destrutível que se calaram os arredores, os carros da rua, os prédios, para escutá-lo. Pararam as indústrias, as cidades vizinhas e transmitiu-se o grito ao mundo pelas antenas de rádio e TV. Tamanha cólera chocou o mundo, e fez-se a paz no Oriente Médio. Pararam de brigar famílias, gangues e máfias. Não houve inverno, que fugiu envergonhado, dando lugar à primavera. Foi a única vez que a fúria transmutou em amor. O mundo nunca mais foi o mesmo. Foi um só dia, mas foi o melhor dos dias.

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Texto escrito ainda em 2006, só estou copiando do antigo papel que aos poucos se amarela, ainda que meus pobres olhos não possam perceber.

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