quarta-feira, 27 de abril de 2011

A morte e a morte

Acordou e sentiu o dia normal.
Olhou pela janela, viu os carros,
sentiu que o sol estava mais forte
do que costumeiramente, ainda que frio.
E no fim das contas, por que mesmo tinha que levantar?

Para ver acontecer,
para ouvir motores a combustão,
para movimentar as pernas,
tornar útil o esquecido nariz (talvez entupido),
chorar de saudade da terra-mãe que nascera,
crescera, amara, vivera e acabara por mudar-se.

Mudou de casa,
mudou de ambiente, mudou de cidade.
Não mudou de nome. Faltou coragem, talvez.
Mas era preciso?
Mudou seus hábitos
e se esqueceu dos antigos.

Lavou a alma nas cachoeiras em Pirenópolis.
Várias vezes.
E mesmo que lhe doessem os ossos,
sabia nunca se arrepender do frio das águas guiadas pelas rochas.

Compôs músicas medíocres
e nunca soube de escalas,
nem lia partitura.

Mas ia vivendo, vivia como se tivesse
inventado o mundo.
Embora gostasse de companhia,
seu próprio mundo lhe era suficiente.
Até o dia em que morreu.
Levantou-se, então, olhou tudo que tinha feito.
Trabalhos comunitários, estudos, pé-de-meia,
esteve em paz consigo mesmo.

Não aguentou, chamou o velho corpo de volta,
já carcomido e zumbizado,
vermes gordos e bem alimentados.
Tomou um banho, reanimou-se.
Queria mesmo era morrer no mar,
e foi. Pulou no meio da tempestade,
de uma jangada de não mais que 15 pés.
O mar era bravo, impetuoso.
Quem sabe se morresse ali
não renasceria peixe, tubarão
ou qualquer coisa 
que fosse capaz de seguir instintos,
nada mais.

O homem fez extintos seus instintos.

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