terça-feira, 18 de agosto de 2009

Caixinha de Surpresas

Eu estava ali sentado, naquele ônibus (que por acaso estava atrasado), e toda aquela chuva a deixar o dia cinza continuava a contaminar a clareza das nuvens brancas e o céu todo azul acima delas. Dei sorte, havia um lugar para eu me sentar. Daqueles que é de uma poltrona só, ninguém se sentaria do meu lado. Eu só queria escutar música, curtir a melancolia deste dia. Escoro na janela, sentindo o vento gelado (eu estava sem blusa de frio) penetrando por todas as frestas. Dou um olhar rápido como quem não quer nada, e vejo algo que me agrada. Pensando bem, até me tirou a amargura daquele dia. Até que os dias cinzas também podem ser bonitos...
Ela tinha cabelos curtos, louros, mas não de um tom cansativo, e sim uma profusão de louros, uns mais claros, outros menos claros, nada muito chamativo. Pareciam discrição. Mas logo percebi também as curvas. Fui descendo o olhar dos cabelos, e vi uma nuca que ensaiava um aparecimento, mas bem discreto. Parecia também bem macia, e que se arrepiaria toda ao mais leve toque. E tinha também aqueles ombros delicados, sem nenhum excesso, cobertos por uma blusa preta, ou camiseta - só me lembro de ser preta, e tampouco sei diferenciá-las. Um pouco mais abaixo, possuía uma vista agradável. Aprazível, eu diria. Tudo muito bem coberto por calças xadrez de tonalidade cinza, e ainda mais abaixo, um All Star branco.
Sabia que era isso que eu queria, afinal. Eu sabia que se eu cantasse para ela "try to set the night on fire", ela revidaria alto e bom tom com um "come on baby light my fire", e tudo afinal acabaria com "lingers long on love street". Ah, seria felicidade. Uma beldade como aquela com uma cabeça muito acima do próprio umbigo, e o nariz apontando para frente, e não para cima. Alternativo, mas sem ser demais. Só não precisa ser exagerado, sei lá. Precisa ter algo diferente, mas sem ser contra tudo, sem radicalismos. Parecia tudo tão perfeito...
Até que ela se virou. As mulheres que me perdoem por ser tão superficial, mas acabaram-se todos meus planos. Era tudo tão perfeito, por que não poderia ser bonita? Não fazia meu tipo, tinha cara de carrancuda e de poucos amigos. Parecia ser bem alternativa. Do tipo excessivo. De poucos amigos, e intolerante com idéias diferentes. Não tinha bons olhos para as coisas, talvez algo a fizesse odiar o mundo todo. Ou talvez seja meu preconceito - que tento me livrar fortemente. Mas não me agradou. Me levantei, desci um ponto antes (que diferença faria andar uns 30 metros a mais?) e fui andando. O que mais poderia esperar eu de uma chuva tão feia?

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