segunda-feira, 6 de julho de 2009

Línguas, o que dizem?

Vieram todas as línguas. Esta haveria de ser a maior confraria já realizada entre todas as línguas. Haviam papéis e tratados a serem assinados, convenções a serem assassinadas, colocar ordem em tudo desde que tudo ficou fora de ordem, quando da construção de Babel. Todas as línguas se entreolharam, procurando semelhanças, tentando se entender. Houve um tempo que a moda era cada uma ficar no seu canto, egoísta e cheias de xenofobismo. Mas aí os homens instauraram o que seria chamado de Globalização e lá foram as línguas tentarem se adaptarem aos ensejos humanos.
Chegou o Alemão, com toda essa pompa de imperativo, sempre parecendo com intenção de dar ordens, sem uma sonoridade agradável, mas cumpridora dos seus objetivos. Cheios de regras e de "não-me-toques". O Italiano, sempre do mesmo jeitinho, um latino garboso, falastrão, no bom sentido da palavra, sempre altivo e tentando se sobressair com tons elevados de voz e com uma sonoridade penetrante, bem arrastada. O Japonês, o bom e velho Japonês. Calmo, desde que tudo esteja em ordem. Explode com facilidade, e logo se recompõe. Mas sempre em staccato, dando fortes ênfases em suas consoantes. O Português, com seu tom de saudade e com suas infinitas conjugações verbais, o que lhe dá um ar um tanto quanto culto, rebuscado, e bem sonoro, também veio. Aliás vieram o Português português e o Português brasileiro, a fim de acertarem contas antigas. E assim vão chegando as línguas, com suas tantas diferenças e dificuldades de se acertarem e de se comunicarem.
Até que chega o Inglês. A noite é dele. Ele vai ser coroado a Língua das Línguas, título só dado até então para duas línguas: em 58 a.C. para o Latim e em 1789 para o Francês, cheio de charmes e bicos e todo o romantismo do mundo concentrado em si. Não tinha lá tantas qualidades. Era uma língua na média, apesar de extremamente pragmática. E agora todas as línguas a respeitariam. Cantariam músicas e encontros internacionais seriam presididos neste idioma. Todos sucumbiriam às suas idiossincrazias. Corriam boatos até que as outras línguas morreriam, as mais velhas e as mais novas. Até os dialetos africanos, que ainda nem descobriram os tempos passado e futuro. E assim ficou estabelecido: o Inglês era agora o idioma internacional. Era só questão de tempo até todos acostumarem. Dizia-se que em cerca de 10 ou 20 anos, seria a única língua falada. O que era uma pena para o pobre Esperanto, que assistia tudo ali, mas tão caladinho, tão novinho e sem experiência. Fora criado para esse propósito, mas era muito anormal, muito artificial. Diziam que era o robô das línguas.
Um tempo se passou, cada uma das línguas mudou sutilmente, que o tempo age também sobre elas. O Inglês tem problemas em se definir europeu ou americano, mas ainda assim reina. Mas os idiomas insitem em deixar-se imunes, continuar existindo, se adaptando, até, à nova situação. Tudo muda um pouco, mas cada peculiaridade diz respeito a um povo, uma cultura. E cada vez que se tenta unificar tudo, com o tempo, mudará. Por que isto está em cada local, em cada grupo, em cada ghetto, e cada distância física ou cultural, acaba por impor forças que estão além de todo esse pragmatismo sempre alerta do ser-humano.
As línguas são soberanas de seu povo, e seu povo soberano de suas línguas.

Um comentário:

Maurício Campos Mena disse...

Curti muito. Percebe-se seu estudo para dizer com tanta propriedade.
Bela estoria, adoro a subversao da Historia.