quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Poeta Está Só II

I

O poeta é só quando é poeta, porque também acontece de o poeta às vezes ser gente como a gente, ter pele e ter osso, sentir fome e vontade de fazer sexo.
Quando o poeta sobressai ao homem, porém, é que as coisas acontecem. É quando as vontades que existem se tornam insuportáveis dentro do corpo, e é aí que se tenta satisfazê-las. Por que o homem sente, mas o poeta sente só. só sente. Só.
O homem sente fome; o poeta come. O homem sente saudades; o poeta chora. O homem ama; o poeta conquista o amor. O homem sente orgulho; o poeta comete crime passional. O homem pensa, mas quem escreve é o poeta.
Basta estar só para se ser poeta. Basta esquecer o resto do mundo se concentrar no homem. O homem é impotente, o poeta é imponente. A poesia é a personificação da solidão.

II

Acordou, sem saber por que, sentindo-se poeta. Sorriu, e havia sol, e havia tudo que caberia na métrica bem arranjada de uma bela poesia. Era poeta. Parecia que os sentimentos não lhe cabiam, e todos detalhes saltavam-lhe aos olhos, mágicos. Precisava compartilhar tudo aquilo com o mundo. Tantas maravilhas assim tão perto das pessoas, que imenso egoísmo seria guardar isso para si. Sentiu que, de certo modo, pertencia ao mundo, era uma de suas células. E era essa sua função: mostrar a beleza de todas as outras células. Podia falar de qualquer coisa, as palavras gostavam de esparramar-se pelos papéis cuidadosamente versificadas entre os inúmeros poemas que brotavam-lhe de onde quer que seja que estavam saindo. Sentiu intimidade com aquelas folhas e toda aquela tinta esperando elucidar o mundo com suas visões incríveis.
Perverso, o mundo não queria ser elucidado. Ninguém viu o que ele mostrara, não houve interesse, nenhuma reação que não fosse a falta dela. Ele reclusou-se na sua intimidade, reprimiu suas visões, que agora eram inúteis. Ele estava só. Ficou dividido entre a vontade de chorar e a vontade de não reagir. Talvez entrar num papel e viver eternamente como um outro poema a ser compreendido no futuro. Mas não, nada disso. Apenas foi dormir. Acordou, não era poeta. Sorriu, e havia sol, e havia tudo que caberia na métrica bem arranjada de uma bela poesia. Mas não fazia diferença. Foi tomar um copo d'água, antes mesmo de escovar os dentes (por que sentia tanta sede?). Ele agora era homem. Sabia que em outro lugar qualquer, haveria um outro qualquer bebendo água. Não estava mais só.

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